João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor adjunto da UFT- Campus de Arraias.
Vivemos o que podemos chamar de sociedade do indivíduo, ou, se preferir, a individualização da sociedade. Em artigo anterior fiz menção à ex-dama de ferro, Margareth Thatcher que, em um discurso chegou a falar não existir essa de sociedade, o que existe é o indivíduo.
A Dama de ferro, na época, já posava como tal e representava juntamente com o ex-presidente estadunidense Ronald Reagan, anos 1980, a defesa central do neoliberalismo; ou seja, do Estado mínimo e das privatizações.
A senhora Thatcher simbolizava claramente os interesses do indivíduo e da propriedade. Isso não seria tão trágico se também não significasse um grande prejuízo para a maioria das pessoas que pertence à classe popular.
Trocando em miúdos essa querela entre ricos e pobres, a defesa de Thatcher significa que os privilégios dos ricos têm que ser legitimado pela miséria dos pobres e, por isso que as elites não admitem a existência de um Estado de Bem Estar Social.
O Estado de Bem Estar Social não é bem assim essas coisas todas, mas, no capitalismo já significa algum avanço, tendo em vista que o Estado se obriga a atender as necessidades essenciais da sociedade: saúde, educação, segurança, previdência social, transporte, moradia, por exemplo.
Mas, quando predomina o indivíduo, e mais precisamente aquele que pertence a uma classe privilegiada, a maioria da sociedade é forçada a se submeter aos ditames dessa classe. E aí é que a coisa se complica.
Na Sociedade em que prevalece esse esquema, poderíamos chamar assim, se obriga que grande parcela da população viva em situações deprimentes: falta de condições da saúde, habitação, segurança, educação, entre outras mazelas. Esse é o modelo neoliberal defendido pelas elites no mundo inteiro.
Se você parar para refletir um pouco, verá que no mundo inteiro a pobreza é uma realidade, enquanto que a concentração de riqueza gera toda a pobreza existente.
Essa pobreza é naturalizada; ou seja, aquilo que foi construído historicamente é visto como um processo absolutamente natural; assim se ignora o que foi estabelecido por poucos por meio de abusos diversos, como invasões, pirataria, escravização, genocídios, assassinatos e torturas – como se deu com as colonizações na África, America Latina e na Ásia subjugando milhares de índios e negros, especificamente.
Por que será que essa sociedade dos indivíduos prevalece ainda hoje? Essa é uma questão fundamental para a reflexão.
Nesse modelo de sociedade a ideologia, que corresponde à maneira de pensar o mundo e que orienta as ações dos indivíduos, de grupos e de instituições, alimenta uma estrutura social desigual de modo que até uma maioria que vive subordinada não perceber o grau de exploração imposto e nem os seus mecanismos de perpetuação.
Isso é no mínimo estranho; e você pode está imaginando, não é? Pois bem. Como é que a coisa acontece desse jeito? O que está por trás de tudo isso?
Desde que se deu o processo civilizatório que temos situações de conflitos, tendo em vista que sempre houve grupos que se estabeleceram subjugando seus pares.
Na Grécia Antiga, quando prevalecia a Democracia Direta, na época de Platão e Aristóteles, já tínhamos essa complexidade; até mesmo porque os considerados cidadãos nessa época correspondiam a uma parcela mínima da sociedade, uma vez que a maioria era formada por escravos, mulheres, camponeses, estrangeiros e, portanto, considerados não-cidadãos.
Tal realidade se estendeu até os dias de hoje, considerando a Idade Média, o escravismo negro, as transformações dos séculos XVII, XVIII e XIX, e, principalmente com o desenvolvimento industrial até os nossos dias.
Durante todo esse tempo o individualismo só fez crescer cada vez mais. Com isso se estabeleceu um tipo de sociedade na qual as pessoas em geral não têm o senso da coletividade, mas sim do individualismo.
No individualismo não se percebem os mecanismos escusos utilizados pela classe dominante para a perpetuação de um tipo de sociedade que se mantém na contramão da pessoa humana; por exemplo: o trabalho forçado horas a fio, a exploração do outro por meio da ganância pelo poder e pelo dinheiro.
Não se percebe, por exemplo, que a estrutura social montada só desumaniza o ser, transformando-o numa mera máquina a serviço do sistema; em conseqüência disso, cada vez mais se percebem os problemas gritantes para o ser humano e para o seu habitat.
Na sociedade individualizada se vive a ilusão de que cada um pode ser melhor do que o outro sem se levar em conta que o jogo jogado possui regras estabelecidas pelos próprios ganhadores de sempre.
Desse modo as ilusões se perdem na dura realidade onde poucos se dão bem e a maioria sustenta os privilégios da minoria sem sequer se dá conta da exploração em que vive.
O stress, os problemas diversos de saúde, a insegurança, o medo, a angustia, a desilusão, entre outros problemas causados pela sociedade instituída para poucos são vistos como problemas individuais, assim como a violência, a prostituição, a criminalidade, a falta de leitos nos hospitais, a ineficácia das escolas, entre outros.
Tudo passa a ser visto pela ótica do individuo e não da coletividade, mais precisamente, não se percebe que os donos do jogo estabeleceram um sistema apenas para eles se darem bem; e tudo ocorre em nome da lei e da ordem, que até mesmo os incautos explorados “compram” essa idéia.
Diante dos problemas que passam a ser vistos apenas pela ótica individual se apela para as religiões, os jogos de azar, a auto-ajuda, e para os impostores diversos.
Assim se vende a idéia de que você, individuo, é capaz, não importa que o mundo esteja aos pedaços, o que importa é você, pois você vai superar os problemas criados pelo sistema.
É pura ilusão imaginar que os problemas sociais são apenas individuais, pois se o bolo está envenenado não adianta jogar fora apenas uma fatia. Mas como se trata de ser humano, não adianta querer resolver apenas o problema de um se a origem do seu problema está no todo e não na parte. É preciso considerar quais os mecanismos perversos que fazem a sociedade se perpetuar de forma patológica.
Nos próximos artigos tratarei dessa polêmica envolvendo individuo e sociedade a partir de alguns temas fundamentais tais como: a pessoa e a subjetividade na sociedade dos indivíduos; indivíduo e Estado; consumismo e individualismo, neoliberalismo e globalização; religião, espiritualidade e indivíduo; o ser social e individual; a identidade na sociedade globalizada, entre outros temas afins.