da redação
“Um atendimento jurídico que perpassa o plano físico e adentra no mundo das sombras”. Assim descreve o defensor público Marlon Costa Luz Amorim sobre um atendimento que realizou na Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO). Apesar de inusitada entre as demandas recebidas na Instituição, a situação trazida pela pessoa assistida – referente ao pagamento a uma taróloga – culminou em atuação judicial em Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais na Vara Cível da comarca de Palmas.
Na petição inicial, o Defensor Público narra que sua assistida, uma moradora de Palmas, procurou a Defensoria Pública para relatar que buscou atendimento de uma mulher (que se apresenta como taróloga) a fim de reatar seu casamento. A assistida acredita que a separação havia sido causada por “forças espirituais negativas”.
O motivo da busca pela Defensoria Pública é que a taróloga prometeu à assistida devolver parte do dinheiro pago pelo serviços esotéricos. O pagamento da assistida à dita taróloga foi feito em agosto de 2021 e até o momento, a devolução do dinheiro não ocorreu.
O caso em questão
Inconformada com a separação e determinada a salvar a relação com o, então, ex-companheiro, a assistida pesquisou referências em todo o País e encontrou na rede social Instagram um perfil que aborda alguns temas relacionados à convivência e resiliência humana. Os números da conta no Instagram impressionaram: mais de 11 milhões seguidores, o que impactou a assistida, dando a ela a sensação de segurança para confiar na taróloga indicada pelo citado perfil da rede social. Na mesma rede social, a mulher que se identifica como “taróloga” mantém um perfil com cerca de 5,1 mil seguidores e sua apresentação (“BIO”, no Instagram) traz na descrição a informação: “(…) Especialista em união de casais (…)”.
O contato entre as duas (assistida e “taróloga”) teve início com uma consulta no valor de R$ 100 (cem reais). O atendimento para dar fim aos trabalhos malignos que supostamente haviam acabado com o casamento da assistida seria feito mediante pagamento de R$ 800 (oitocentos reais), valor pago pela assistida. Conforme o Defensor Público autor da Ação, “a taróloga garantiu que o varão enfeitiçado voltaria para casa, apaixonado, são e salvo. Porém, a assistida não imaginava que as palavras da ré serviriam apenas de adorno ao seu sofrimento”.
Isso porque, após o pagamento, houve reviravoltas: “Tão logo recebera o pagamento, a taróloga veio a perceber que a magia era obra de um espectro decaído poderosíssimo e que os oitocentos reais seriam insuficientes para estimular seu Guia Espiritual a desfazer aquela cilada satânica. (…) Foi então que a taróloga exigiu da Autora [a assistida da DPE-TO] que fosse colocado ao pé do Guia todo o dinheiro que tivesse consigo ou fosse capaz de arrecadar.”, consta na Ação apresentada à Justiça por Marlon Amorim.
A assistida assim procedeu, depositando na conta indicada pela taróloga a quantia de R$ 7 mil (sete mil reais), todo o dinheiro que havia poupado para fazer um curso de micro pigmentação de sobrancelhas. À época do contato com a taróloga, a assistida estava desempregada e conforme o Defensor Público, os R$ 7 mil não foram em pagamento pelo serviço, mas uma espécie de “empréstimo” ao Guia Espirirual, sendo que a taróloga lhe disse que esse dinheiro seria devolvido.
Na expectativa do retorno do atendimento na mesma data do pagamento, sobretudo porque a taróloga havia lhe prometido resolver a situação e, ainda, revelar o nome da pessoa que havia feito a “amarração”, a assistida se viu diante de um pedido para um novo pagamento, desta vez na quantia de R$ 8 mil (oito mil reais).
Conforme o Defensor Público, a dita taróloga argumentou que o caso era muito mais grave do que ela havia previsto, daí a necessidade de mais recursos financeiros: “(…) o trabalho havia sido feito (…) por uma espécie de Thanos dos Demônios. Que havia subestimado o poder do coisa-ruim e que os sete mil não fizeram nem cócegas. Pediu, assim, mais R$ 8.000,00, e garantiu que, dessa vez, partiria com tudo para cima do tinhoso.”, narra o Defensor Público na Ação.
Como a assistida não tinha mais nenhum recurso financeiro para continuar com o atendimento, a prestadora do serviço esotérico disse que promoveria a devolução de R$ 7 mil, o que seria feito em 41 dias para não causar problemas com o guia espiritual. O prazo foi aceito pela assistida, porém, os 41 dias se passaram…o tempo passou e com isso, mais de um ano já se foi desde aquele 11 de agosto de 2021 (data do pagamento feito pela assistida). Até o momento, o dinheiro não foi devolvido.
Denúncia
A mulher que procurou a Defensoria pública em busca de atendimento jurídico tem perfil para ser atendida pela Instituição. O dinheiro que ela usou para a taróloga é proveniente de economias que ela havia conseguido poupar para fazer um curso profissionalizante. Quando procurou a Instituição para acionar a Justiça, já não tinha mais recursos que havia poupado.
“Ela [a assistida] confiou na taróloga, é aí que entra a questão: é a violação, é a quebra da boa fé objetiva. Ela confiou que a taróloga lhe devolveria esse dinheiro”, disse Marlon Luz em entrevista sobre a atuação.
A assistida também recorreu à Delegacia de Polícia e registrou um boletim de ocorrência, requerendo a apuração dos fatos supostamente criminosos, além de manifestamente danosos a sua honra, crença e boa-fé. Procurou, ainda, o perfil do Instagram que, segundo a assistida, divulgava, entre outros conteúdos, os atendimentos da taróloga, porém, foi informada que a mesma não prestava mais serviços àquela conta da rede social.
Na Ação, o Defensor Público requer a condenação de pagamento solidário (entre o perfil que divulgou a taróloga e a própria taróloga) no valor de R$ 20 mil (vinte mil reais) a título de danos morais; e R$ 7 mil (sete mil reais) a título de danos materiais. A Ação está na Vara Cível da comarca de Palmas para apreciação.
Um fato não jurídico, mas de destaque nesse atendimento, está na produção textual da peça protocolada na Justiça. A personalidade irreverente do defensor público Marlon Costa Luz Amorim, autor da Ação, fica explícita na peça visto que, ao descrever os fatos, ele recorreu a uma narrativa autêntica, quase literária, com talento para assim fazer sem desconsiderar a linguagem jurídica.
“Nem tudo são trevas. Como numa comédia adocicada de sessão da tarde, o casal reatou num clima de paixão florescente e juras eternas. Sim, sim, a prestação do serviço acabou sendo eficaz, mas essa não é a questão”, conclui o Defensor Público, na Ação.