Por Redação
O ex-coordenador do Programa Terra Legal (PTL) no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Palmas tornou-se réu em Ação Penal por corrupção. A decisão da Quarta Vara Federal da Justiça Federal aponta para uma série de mensagens de WhatsApp e um áudio que evidenciam a solicitação de vantagem indevida em troca de agilização nos processos de regularização fundiária. O ex-coordenador, cujo nome não foi divulgado, atuava na entrega de títulos de domínio definitivo aos contemplados pelo INCRA.
Segundo a petição inicial acusatória, o servidor teria inicialmente solicitado mil reais via WhatsApp a um requerente de pedido de regularização fundiária, da propriedade de sua família, cuja tramitação já durava em torno de 10 anos no INCRA/TO. Diante da recusa, o ex-coordenador teria abaixado a quantia para 500 reais.
As solicitações de vantagem indevida teriam ocorrido em abril de 2020, durante o início da pandemia, quando as demandas por atendimento eletrônico remoto se multiplicaram, já que as pessoas enfrentavam dificuldades para encaminhar suas demandas pessoalmente nos órgãos públicospor conta das medidas de prevenção sanitárias de enfrentamento da COVID-19.
A decisão judicial apresenta trechos das mensagens trocadas, onde o ex-coordenador, dissimulando o pedido de propina como um empréstimo emergencial, busca convencer o produtor rural:
“Boa tarde nobre amigo. Desculpe lhe fazer um pedido meio q intimista e particular. Uma necessidade emergencial para arrumar 1000 reais a título de empréstimo. Minha esposa perdeu contrato com estado e as coisas deram uma apertada este mês. Poderei lhe devolver início de junho pois receberei tb minhas férias. Enfim caro Jaime é uma situação inusitadamas se puder me estender este apoio terá minha gratidão sincera.”
A resposta do produtor rural, que inicialmente foi evasiva e depois denunciou o possível ilícito:
“Boa tarde meu amigo. imagina, vc é de casa. o problema é que eu estou muito apertado esses dias. estou aguardandu um recebimento para semana que vem se ele vier, eu te empresto com toda certeza se até lá não tiver resolvido eu volto a falar com vc lá por quarta da semana que vem.”
A tentativa de obter dinheiro do produtor rural continuou:
“Bom dia caro amigo. Diante de nossas dificuldades sobre aquele apoio se vc puder a título de empréstimo me conseguir 500 para cobrir uma demanda mais emergencial eu agradeço. Em junho as coisas clareiam mais – emoji.”
No entanto, a solicitação e a negativa se acirraram, e o ex-coordenador enviou um áudio acusando o produtor de ameaçá-lo, descredibilizando a vítima – gaslighting:
“um problema seu. Da sua cabeça”
Confira trecho transcrito de áudio enviado por meio do aplicativo WhatsApp, que consta na Decisão da Justiça Federal (sic):
“Muito bom dia, caro […]. Tudo bem com você? Era pra mim ter te ligado logo na semana que você me ligou, semana passada. Mas terminei sumindo seu número aqui e resolvi mandar essamensagem, porque a mensagem é mais interessante, porque fica um registro mais fácil. Fica um histórico registrado dos nossos diálogos. E com relação à sua ligação de sexta-feira, você quase não me deu possibilidade de conversar. Foram tantas as acusações e ameaças que tu me fizestes por telefone, que eu achei interessante tá te mandando essa mensagem para esclarecer algumas coisas. Então meu caro produtor rural, ícone e responsável por essa força motriz eprodutiva do Estado. Deixa eu te dizer uma coisa. Com relação ao seu processo de regulação fundiária, que tu me pediu para não interferir eme manter longe, como que se eu fosse responsável por qualquer atraso do mesmo, eu quero te dizer que a minha parte com relação àanálise, a despachos e a encaminhamentos, já havia sido feito há muito tempo. […] Totalmentediferente da tua postura que tu me ameaçou com relação a eu porventura ter algum tipo de interesse ou manifestação em atrasá-lo. […] E, assim, meu amigo, seu processo pode realmente atrasar, não é só um minuto não, pode atrasar é um mês, seis meses, é um ano, isso vai depender do sistema e não de mim, enquanto servidor. […] Diante disso, inclusive, você, ao me ameaçar, de uma forma muito vulgar e covarde de que poderia… de que estava pensando em levar como denunciado a qualquer órgão de controle, eu quero te dizer que se isso te deixa mais tranquilo, se isso te deixa mais a vontade, eu quero que o faça mesmo. Eu gostaria que você, diante de todas as provas cabais que você alega ter da minha conduta nãoidônea, eu gostaria que você realmente procurasse, se isso te deixar melhor, procure os órgãos que você achar interessantes, como o MPF e a própria PF […] Tá bom? Mantenha distância do meu número pessoal. Se quer qualquer informação acompanhe pelo sistema. Se quer qualquer informação sobre o seu processo acompanhe pelo órgão. Tá certo? Uma boa semana pra ti. Uma boa sorte.” (Fonte: áudio de 10 minutos e 09 segundos – ID 518194938, documento id 1759042586 – Decisão – Ação Penal nº 1001420-24.2021.4.01.4300, elementos probatórios que constam no IPL 2021.0001979 -SR/PF/TO)
O ex-coordenador, admitiu o conteúdo das mensagens em depoimento à Polícia Federal, foi enquadrado no artigo 317 do Código Penal, que trata da corrupção passiva, sujeito a uma pena de reclusão de 2 a 12 anos, além de multa.
A corrupção administrativa, segundo a decisão, ocorreu no âmbito de um ato funcional lícito, configurando corrupção imprópria. O cargo ocupado pelo ex-coordenador, responsável pela regularização fundiária no INCRA/TO, concedia-lhe prestígio e evidenciava sua influência no órgão.
A decisão da Justiça ressalta que a conduta do ex-coordenador é contrária ao interesse comum da sociedade e ao que legalmente é estabelecido. O contexto, em que a regularização fundiária no Estado do Tocantins enfrenta uma demanda significativa, e utilizar essa situação para solicitar vantagem pode ser visto como uma ameaça à eficiência do programa. Cabe nesse ponto, trazer a informação de que as deficiências e falhas do Programa Terra Legal no Tocantins foram detectadas pelo Tribunal de Contas da União, entre outros, que vale apena conferir: Acórdão 1304/2020-TCU-Plenário, de 27/5/2020, em destaque o achado de auditoria: “Atuação administrativa deficiente e morosa, carente de instrumentos de controle e de gerência das informações e dos processos inerentes às atividades finalísticas”.
Relatório Fiscalização n. 453/2018, link: https://contas.tcu.gov.br/egestao/ObterDocumentoSisdoc?codPapelTramitavel=61013335
Esse não é o primeiro caso de corrupção no Programa Terra Legal. Em 2014, uma funcionária terceirizada foi alvo da Operação Gaia da Polícia Federal. Na época, um assentado denunciou esquemas de favorecimento a quem tinha recursos financeiros, prejudicando aqueles sem condições.Afirmou que o esquema existe há mais de três anos.
“Nós temos famílias com várias crianças que tentam conseguir o lote e não conseguem. E pessoas com carro bom, caminhonete, conseguem arrumar documentação dentro Incra, na maior facilidade. E a pessoa que não tem dinheiro, leva quatro ou cinco anos pra conseguir uma terra. É mais agilidade para quem tem dinheiro e quem não tem a agilidade para conseguir um lote é muito difícil” (observa o assentado, confira vídeo de 26/06/2014 – minuto 1:30 a 2:07)
A solicitação de propina pelo ex-coordenador remeteu a casos anteriores, como a Operação Nudae, que levou à prisão do ex-superintendente regional do INCRA, Carlos Alberto da Costa, em dezembro de 2018. O proprietário rural lembrou ao ex-coordenador desse precedente, evidenciando um padrão de corrupção no órgão.
O desenrolar deste caso destaca a importância do combate à corrupção no setor público e ressalta a necessidade de fortalecimento das medidas de fiscalização e transparência nos processos de regularização fundiária. O INCRA/TO, diante desses eventos, poderá enfrentar maior escrutínio e medidas de dissuasão pelo sistema de justiça em sua atuação e na implementação de medidas para prevenir práticas corruptas em seus quadros.