Por Álvaro Vasconcelos
Os 44 milhões de ucranianos devem estar hoje no centro dos nossos pensamentos e no centro da ação da comunidade internacional.
Será que é preciso dizê-lo? Os ucranianos são seres humanos que aspiram, como nós, à liberdade, a uma vida boa e feliz, que têm um direito inato ao respeito pelos seus direitos humanos.
À semelhança de outros grandes criminosos da História, Putin, antes de transformar a vida dos ucranianos num inferno, começou por desumanizá-los. Disse que eles não tinham direito a sentirem-se como cidadãos de um país que amam, que eram uma criação artificial do bolchevismo, que, sem Lenine, nunca teriam existido.
A desumanização do outro, como tão bem escreveu Primo Levi, é a condição necessária para lhes negar o direito à vida. É um traço de todos os déspotas, dos que acreditam na superioridade da sua raça, cultura ou etnia. Os ucranianos que não falam russo, que não se revêem na Rússia eterna de Ivan ‘O Terrível’, na Rússia de antes da Revolução de Outubro, não têm direito a ter direitos. Podem sofrer e morrer, porque devem pagar por quererem ser cidadãos dum país que não devia existir.
Os cínicos de todos os quadrantes também se esquecem dos ucranianos: os que se dedicam a meros cálculos geopolíticos e que continuam a raciocinar como se ainda vivêssemos na Guerra Fria, reduzindo os ucranianos a meros peões de um jogo global; os que vão atrás da propaganda do Kremlin e que acreditam que cada ucraniano é um fascista, porque na Ucrânia, como em todos os países europeus, existe uma força de extrema-direita minoritária (2,15% dos votos na últimas eleições); bem como os que, por antiamericanismo, são incapazes de ser solidários com os ucranianos – o que me leva a pensar que estiveram com os iraquianos apenas porque estes estavam a ser atacados pelo imperialismo americano.
Durante muitos anos deixou-se Putin agir impunemente. O momento-chave terá sido o bombardeamento das cidades sírias e as centenas de milhares de mortes que provocaram, sem consequências sérias.
A questão que se coloca hoje é como ir em defesa dos ucranianos. Sabemos que é impossível do ponto de vista militar, o que Putin relembrou a Macron e demonstrou ao mundo com os exercícios nucleares realizados antes da invasão, pondo em prática o princípio da dissuasão nuclear – contra uma intervenção militar ocidental em defesa da Ucrânia, a garantia de uma destruição mútua.
Mesmo assim, há muitas formas de sermos solidários com a Ucrânia. A iniciativa mais eficaz seria a União Europeia declarar que a Ucrânia tem o destino europeu assegurado, oferecendo-lhe já a perspectiva de adesão. Se o fizer, dá aos ucranianos, que se encontram desesperados, uma perspectiva de um futuro melhor. Os líderes europeus podem de novo não ter a coragem de ir tão longe, mas não ficarão para a História. Não serão perdoados pelos ucranianos que, distantes das considerações estratégicas dos gabinetes, se sentirão mais uma vez sozinhos no seu combate. É bom lembrar que foi a opção da Ucrânia pela Europa e a democracia em 2014 que desencadeou a agressão russa O exemplo ucraniano era uma ameaça existencial para Putin.
A iniciativa mínima é assegurar a ajuda humanitária e militar para que resistam. Concomitantemente, como propôs o economista francês Thomas Piketty, é preciso congelar os bens dos oligarcas que sustentam o esforço de guerra e a ditadura russa.
A II Guerra Mundial começou, é bom lembrá-lo, com a ocupação dos sudetas pela Alemanha nazi, região da Checoslováquia, alegando que a sua população falava alemão. Hitler já tinha anexado a Áustria e depois, como sabemos, invadiu a Polónia e desencadeou a II Guerra Mundial. Putin, até agora, seguiu o mesmo plano, e, tendo já ocupado a Bielorrússia, prepara-se para anexar todo o Leste da Ucrânia e impor um governo fantoche em Kiev.
Não parece provável que o Presidente russo prossiga a sua guerra de conquista em direção às Repúblicas Bálticas, que são as mais vulneráveis. A NATO tem lembrado que as Repúblicas Bálticas são membros da Aliança e, como tal, estão protegidas pelo mesmo sistema de destruição mútua assegurada que nos deve proteger de uma nova guerra mundial, inigualável face a qualquer outra que a humanidade até aqui assistiu. Porém, para que a dissuasão funcione, é preciso que os Estados Unidos e seus aliados dêem continuidade ao reforço da sua presença militar nos países do Leste europeu, mais vulneráveis a um ataque russo.
A Paz é ainda possível, desde que se consiga impedir que a guerra de Putin triunfe na Ucrânia. A afirmação do destino na União Europeia seria o estímulo necessário aos ucranianos. É nosso dever fazê-lo.