João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor adjunto da UFT- Campus de Arraias. Trabalha com projetos em cinema e educação.
A pessoa humana é dotada de capacidade de sentir, de pensar e de agir. Suas ações correspondem a essa capacidade. Pensar é uma atividade relacionada ao espírito, ou melhor, é uma atividade do espírito.
As coisas tributárias do espírito não se referem apenas as atividades religiosas; essas são marcadas em geral mais pela institucionalidade; por exemplo: participar de uma igreja, ir a uma missa ou a um culto ou ainda freqüentar um terreiro de umbanda ou de candomblé, tem tudo a ver com a instituição, criada pelos homens, baseada em valores, em regras e normas que orientam as ações das pessoas que seguem determinada religião.
Todas as religiões são instituições que surgiram para atender as necessidades da coletividade e que estão relacionadas à fé; observe bem, da coletividade; significa que apresenta elementos que, embora sejam seguidos por indivíduos, na verdade, estabelece padrões de comportamentos os quais podem atender ou não cada pessoa em sua individualidade.
Quem vai a uma missa, ou a um culto, freqüenta uma igreja e com isso expressa sua fé em coletividade, pois, se orienta pela instituição religiosa que acredita e, com isso, se sente bem por agir dessa forma; quem assim o faz certamente sente-se fortalecido pela sua fé, até mesmo porque encontra na igreja que freqüenta o conforto de que precisa quando percebe que não está sozinho em sua crença.
A igreja reúne os afins para expressarem sua fé, principalmente por meio de cânticos, leituras e orações. Nisso encontra-se a institucionalidade e a coletividade que, de alguma forma, atendem as individualidades. À medida que o indivíduo não se sente confortável na igreja que freqüenta, ou na religião que professa, a tendência é o seu afastamento, seja para outra Igreja ou não.
Há pessoas que não sentem a necessidade de freqüentar nenhuma igreja nem de praticar nenhuma religião, embora carreguem consigo a espiritualidade; e não há mal nenhum nisso, afinal, para ter fé não é preciso freqüentar uma igreja.
Há pessoas que não falta um domingo na sua igreja e até rezam fervorosamente enquanto pratica todo mal que lhe é possível contra outras pessoas; por exemplo, existem pessoas que rezam até muito para que todos vejam o quanto é fervorosa, como fez o fariseu envolvido por sua arrogância diante do publicano numa das parábolas atribuídas a Jesus.
Sim, há pessoas que rezam muito e são más para com os outros, para seus empregados, e até torturam e matam em nome de Deus, da lei e da ordem; com isso perseguem, caluniam, humilham e maltratam aqueles que são diferentes. Tais pessoas não sabem conviver em sociedade quando vêem no diferente uma ameaça e em conseqüência disso apelam para ditaduras e arbitrariedades como aconteceram nos regimes nazistas e fascistas, os quais se mostravam muito religiosas.
Nos Estados Unidos, a partir dos anos 1860, mais precisamente no sul dos Estados Unidos, um grupo de pessoas brancas, de classes alta e protestantes, formaram uma organização chamada Ku Klux Klan, cujos objetivos eram perseguir e matar negros, católicos e judeus; eles pregavam a supremacia branca, o nacionalismo branco e a anti-imigração. A predominância desse grupo terrorista foi até os anos 1950, mas há indícios até hoje de seguidores dessa terrível organização.
Esse é um exemplo de que nem sempre fé e religião resultam em boas ações; na verdade, a história tem demonstrado que as maiores guerras e conflitos, que resultaram em multidões de assassinatos, aconteceram por motivos religiosos.
Religião e espiritualidade se confundem ás vezes, mas não são a mesma coisa. A espiritualidade tem a vê com a fé, mas também com as coisas do espírito tais como: a leitura, uma boa música, uma peça teatral, um filme ou mesmo uma conversa proveitosa. Os alemães na época do filósofo Immanuel Kant (1704 – 1824) e seus contemporâneos consideravam cultura as coisas do espírito. Ser culto era ser fino por meio do conhecimento apurado, o que conduzia a ações verdadeiramente nobres.
A educação, por exemplo, pertence às atividades do espírito; é pela educação que o ser humano deve ser preparado para a vida social e profissional; cada indivíduo age a partir do que pensa, do que aprendeu e do que considera importante; se lhes falta a educação, predomina o instinto, subtraindo com isso a razão.
A razão e a fé podem andar juntas; e isso é bom; a fé sem razão culmina no fanatismo; toda leitura deve ser alvo de reflexão e de questionamento, até mesmo as de cunho religioso; sem isso, temos então ações arbitrárias e ditatoriais; não dá para pensar, por exemplo, numa escola sem que seja possível o questionamento e a reflexão, a contextualização e o debate; por isso a chamada Escola sem partido é uma falácia e está baseada no fascismo. Quem defende tal falácia defende também que só vale a sua ideologia e não admite questionamento.
É preciso estar sempre atento aos acontecimentos, as pessoas e as coisas na sociedade individualizada. O grande perigo da sociedade de massa na qual vivemos é as pessoas perderem a capacidade de questionar e de refletir criticamente, o que corresponde às capacidades fundamentais do espírito e não da religião.