“Vende-se de tudo: vassoura sagrada, Bíblia ungida, sal grosso, água do rio Jordão, tijolo da bênção, toalha milagrosa. O fiel, percebido como consumidor, passa a relacionar-se com Deus nas bases do mercado: buscando um melhor serviço (bênção) por um menor preço.” Ricardo Gondim
Ricardo Gondim
O mundo gospel (evangélico ou neopentecostal) conseguiu a proeza de firmar-se, no Brasil, por algumas características: nanismo cultural, superficialismo ético, pragmatismo da riqueza fácil, hipocrisia moralista, fundamentalismo teológico.
Os que ainda se consideram evangélicos talvez não saibam: as raízes do movimento, lá atrás, com Billy Graham, concebeu uma versão triunfalista da fé. Era a salvação do fundamentalismo, que insistia em afirmar que conseguia ler a Bíblia ao pé da letra. Fundamentalistas, entretanto, por teimarem em ser os donos da verdade bíblica, acabaram isolados devido ao Scopes Trial; nele, criacionistas e evolucionistas se enfrentaram em um tribunal, e os criacionistas passaram vexame.
Os “Evangelicals” procuraram sair dessa cerca estreita; propuseram, então, certo diálogo com a cultura, com as ciências e com as artes. Mas, como nunca se desligaram do fundamentalismo, a proposta acabou retrocedendo. Nos Estados Unidos, principalmente depois de Donald Trump, os evangélicos recrudesceram aos primórdios do fundamentalismo. No Brasil, além de adotar a agenda moralista e fundamentalista gringa, os evangélicos se neopentecostalizaram. E o resultado foi desastroso: viraram chacota nacional.
Infelizmente, o movimento, com seus “heróis”, não se resume à religiosidade desenraizada, iconoclasta, sem beleza, magra em arte sacra – e que sobrevive de chavões, clichês e frases prontas. Os evangélicos se tornaram altamente criativos em outra dimensão: nas novidades mágicas, nas campanhas mirabolantes de milagres espetaculares. Conseguiram a proeza de transformar o caminho de um carpinteiro judeu em um mega show de milagres e prosperidade.
Toda a máquina religiosa foi azeitada para gerar sinais e com eles, dividendos. Ouvi um renomado líder neopentecostal discursar sobre os vários tipos de pescadores no reino de Deus. No final, arrematou: “Alguns pescam com rede, outros usam anzol com isca. Em nossa igreja, não temos vergonha de usar cocô como isca”. Depois do susto, lembrei que basta ligar a televisão, o rádio, ou frequentar qualquer auditório para notar que ele tem razão. O cheiro ruim da pescaria vaza pela tela.
Assim, os neopentecostais se firmaram como um supermercado grotesco de serviços (e produtos) religiosos. Vende-se de tudo: vassoura sagrada, Bíblia ungida, sal grosso, água do rio Jordão, tijolo da bênção, toalha milagrosa. O fiel, percebido como consumidor, passa a relacionar-se com Deus nas bases do mercado: buscando um melhor serviço (bênção) por um menor preço.
Com apelo forte e competente, bem afinado com os desejos das massas, o neopentecostalismo virou o discurso hegemônico. Ele é dono de emissoras de televisão, com o horário nobre, e tem bancada de políticos. Com tamanho sucesso, protestantes históricos perderam espaço. Já os pentecostais clássicos se viram pressionados a adotar métodos semelhantes – o neopentecostalismo lota auditórios e deixa pastores, bispos e apóstolos, riquíssimos.
Os neopentecostais desenvolveram uma espiritualidade de “rodoviária”. Eles não precisam de vínculos comunitários. Sacralizam os templos, valorizam os mega ajuntamentos, e basta. Deus é mercadoria e a esperança, vendida, só serve para alienar. A igreja se transforma em balcão onde uma feitiçaria eficaz é oferecida sem cessar. As pessoas, usadas e ludibriadas, adoecem, já que os pastores não passam de lobos vorazes. Para financiar a máquina religiosa, o neopentecostalismo não enxerga pessoas, só o potencial de contribuir. E se houver alguma fracasso nessa grande oferta, a culpa recai sempre no fiel: ele “não teve fé“, “não sacrificou com sinceridade“, “não deu o dízimo“.
O movimento evangélico tornou-se refém do seu próprio marketing; como anseia dominar o mundo midiático (rádio e televisão), a mensagem não passa de neurolinguística raquítica. O autêntico testemunho evangélico perdeu-se pela importância do cenário. (O meio é a mensagem). O anúncio dos conteúdos da fé acabaram em segundo plano diante da força da imagem – que transforma tudo em simulacro. Eis porque os televangelistas sucumbem, caricaturas de si mesmos.
Vaidoso, gabola de sua eleição como “missionário da salvação do Senhor”, o movimento cresce numericamente e em poder, mas perde, na mesma proporção, sua credibilidade. Jesus avisou aos discípulos: “Vocês devem ser sal da terra“; todavia, acrescentou uma advertência: “Se o sal perder o seu sabor, para nada mais presta senão para ser jogado fora e pisado por homens e mulheres”.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: [email protected]