“Em Veredão o leitor envereda pelos sertões do Tocantins, anda em tropas pelo Jalapão, ouve estórias sentimentais de Zé Cachoeira (que relembra a morte de Frei Gil Villanova), conhece lendas, folclore e grava na memória causos inesquecíveis, tendo sempre como cenário essa região que um dias pertenceu a Goiás. Daí, imagino, a facilidade e por que não dizer, fidelidade de Moura Lima à temática regional”. Escreveu o Escritor, Ensaísta, Poeta. Pesquisador, Memorialista, Intelectual, José Mendonça Teles, sobre a obra do gurupiense Moura Lima, considerado o melhor escritor romancista do Estado do Tocantins sobre o livro Veredão, prefaciado em primeira edição pelo então presidente da Academia Cearense de Letras, escritor e folclorista Eduardo Campos.
por José Mendonça Teles *
O que seria da literatura brasileira se não existisse a ficção regionalista? A narrativa dos dramas urbanos, dos conflitos existenciais que fazem do homem moderno um ser enigmático, incrédulo, caminhando o seu dia a dia rumo ao finito do infinito, seria o bastante para satisfazê-lo, sempre ávido em busca de novidades literárias? Feliz o momento em que Bernardo Guimarães, Afonso Arinos, Simões Lopes Neto e Hugo de Carvalho Ramos radiografaram a alma dos nossos sertões. Ao explorarem os conflitos locais e os introduzindo no cenário universal eles abriram caminho para o aparecimento de uma literatura local, voltada exclusivamente para os problemas do campo. Nascia o regionalismo, onde brilharam Guimarães Rosa e o nosso Bernardo Élis. O regionalismo chegou para atualizar a ação do realismo e do naturalismo, constituindo, dessa forma, como o romantismo, os dois polos naturais e constantes na dialética da literatura brasileira, na imagem do mano Gilberto, em seu livro O conto brasileiro em Goiás.
Publicado Tropas e boiadas em 1917, quando tinha apenas 22 anos de idade, Hugo de Carvalho Ramos foi o iniciador do regionalismo goiano. Residindo no Rio de Janeiro ele entrou em “transe” com a terra de sua infância e foi captando todos os momentos e emoções vividas na antiga Vila Boa – sua experiência e contato com o homem do sertão, principalmente – e os introduziu magistralmente na literatura brasileira. Hugo desbravou o caminho para Bernardo Élis, Eli Brasiliense, Carmo Bernardes, Bariani Ortêncio e Moura Lima, isso para falar das plagas goianas, onde o nosso regionalismo fez escola e ganhou notoriedade nacional.
E dentro dessa notoriedade nacional, justo é falar de Moura Lima, goiano de Itaberaí, nasceu no antigo engenho Capim Puba, na época município da Antiga Vila Boa (Goiás), mas , em razão da dificuldade de acesso, foi registrado em Itaberaí, o povoado de Capelinha (Heitoraí) estava nascendo, o calendário assinalava 2 de dezembro de 1950. Autor dos romances Serra dos Pilões, O Caminho das tropas – revoltosos, peões e boiadas,Chão das Carabinas,Negro d”Água, Mucunã e no livro Veredão, contos, agora em segunda edição. Embora tenha nascido e se criado em terras goianas, Moura Lima segue as mesmas pegadas de Eli Brasiliense que fez da região do Tocantins a sua saga literária. Acontece que, nascido em Porto Nacional, aquela época pertencente a Goiás, Eli se consagrou como escritor genuinamente goiano. Moura Lima segue o inverso. É goiano, mudou-se para o Norte de Goiás, e lá produziu sua obra literária, ainda no território goiano. Com o nascente Estado do Tocantins,Moura Lima, continuou a sua saga, vivendo, sentindo, pesquisando e registrando os fenômenos regionais, e tornou-se o escritor-referência do Estado, pela capacidade de transmitir, de passar ao leitor uma literatura rica em detalhes e palavras que não fazem mais parte da linguagem usual e eram usadas pelos caboclos, pelos homens do campo, num tempo em que o transporte se fazia no lombo dos muares. Esses detalhes foram objeto de estudo de dois dos maiores críticos da literatura brasileira, Assis Brasil e Clóvis Moura, em estudos sobre o romance Serra dos pilões. “Ele trabalha sobre a norma da língua – a norma cotidiana e comum – e, como artista, recria a sua própria linguagem e seu estilo”, diz Assis Brasil. Este livro, Veredão, prefaciado em primeira edição pelo então presidente da Academia Cearense de Letras, escritor e folclorista Eduardo Campos, não vai ficar somente nesta nova edição. É livro para a posteridade. Tem lugar garantido na estante da história. Lê-lo é inteirar-se de uma cultura que se evapora rapidamente, contaminada pelo vírus do progresso. O autor, ciente de sua função de escritor sério, engajado no processo criativo, procura trazer aos nosso dias aqueles momentos fantásticos, e até mitológicos, resgatando, com isso, um página inesquecível de nossos sertões, tão ser, tão nosso, preso às raízes de nosso sentimentos, como a história do Romãozinho e do Negro D’Água.
Em Veredão o leitor envereda pelos sertões do Tocantins, anda em tropas pelo Jalapão, ouve estórias sentimentais de Zé Cachoeira (que relembra a morte de Frei Gil Villanova), conhece lendas, folclore e grava na memória causos inesquecíveis, tendo sempre como cenário essa região que um dias pertenceu a Goiás. Daí, imagino, a facilidade e por que não dizer, fidelidade de Moura Lima à temática regional. Goiano, (veja, na página 135, Meu povo, minha terra), ele fala de sua formação cultural nas terras de Capelinha, hoje Heitoraí, e inteligente sabe explorar sua vivência de homem do campo, fazendo uma literatura rica em detalhes, carregada de metáforas e linguajar próprio, retirados sentimental do solo tocantinense.
Veredão segue o mesmo caminho de Serra dos Pilões, veio para ficar, será lido por todas as gerações. Representa a maturidade do escritor sempre fiel ao chão que lhe acaricia os pés, a esse sertão tão ser, tão nosso.
(Transcrito do Jornal “O Popular”)
*José Mendonça Teles, crítico literário, contista e ensaísta.
Presidente da Academia Goiana de Letras