João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, mestre em Sociologia e professor da UFT – Campus de Arraias. Trabalha com projeto em cinema e educação.
Escrevo esse artigo um dia após ter feito meio século de vida e, com certeza, tenho muito que comemorar. Minha esposa me perguntou como é chegar aos cinqüenta? A resposta não é tão simples, porém, começo com uma simples resposta: é a percepção do óbvio que nos vem.
Pelo menos no meu caso, como no de outros colegas que chegaram aos cinqüenta, parece que passamos a usar uma lente que torna tudo mais claro e, por isso, alguns desencantos devido à clareza que a experiência nos proporciona. Vou tentar esclarecer essa história.
Não é nada mágico chegar a essa idade, mas, trata-se apenas de oportunidade para pensar a partir da experiência que se consegue acumular; todavia, sei muito bem que há pessoas que envelhecem sem capacidade mínima de reflexão, pelo menos é o que descobri logo cedo, não foi agora. E, digo mais, essa foi minha grande decepção logo quando me dei conta da vida.
Quando digo que é a percepção do óbvio é porque a gente se dá conta de que tudo já estava lá, porem a gente não via; quando somos mais novos os sonhos e utopias nos ajudam muito a caminhar, mesmo sem compreender muito as coisas. Parece até que somos imortais, até porque sequer pensamos no envelhecer. E aí é que estão as ilusões quando a vida nos prega uma peça e mostra como as coisas funcionam de fato.
Vou tentar fazer uma digressão sobre alguns pontos fundamentais que nos impõe à reflexão.
Vida– Não é simplesmente uma questão biológica, mas é, também, observar, sentir, pensar e agir. O mundo é sempre o mesmo quando não nos damos conta que nós é quem devemos fazemos ser o que é; portanto, se acha que está ruim onde está você nessa história? Não dá prá ser apenas fisiológico; isso é muito pouco quando se trata de vida para um ser humano.
A vida não é apenas uma questão de individualidade, isso é importante, mas é um processo que se faz com a coletividade que conhecemos como sociedade.
![João-Nunes-A Opinião: Aos cinquenta João-Nunes-A Opinião: Aos cinquenta](http://www.atitudeto.com.br/wp-content/uploads/2016/05/João-Nunes-A.jpg)
Humanidade – Olha, costumo dizer que se Deus cometeu algum erro foi o de ter feito a humanidade; e aí me lembro do Nietzsche quando nos ensina que é preciso superar a mediocridade quando fala do super homem para não sermos demasiadamente humanos. Até agora a humanidade não me convenceu para o que veio, apenas sei que dentre os humanos que conheci existem pessoas maravilhosas, assim como existem aquelas que são muito más, ou seja, que parecem ter a maldade como princípio. Também não podemos ser ingênuos de pensar que o ser humano é sempre bom ou sempre mal; esse maniqueísmo é falso. O ser humano é dialético e nem sempre é o que pensamos.
Amigos – uma coisa raríssima, mas quando temos o privilegio de ter é pra valer.
Sociedade– não é apenas um coletivo, é algo mais profundo quando nos damos conta que é o conjunto de seres humanos com formas de sentir, pensar e de agir. Vejo que Durkheim não errou quando percebeu que não dá para o ser humano viver sem regras para que não coloque em risco o outro; mas até agora os humanos não aprenderam a viver juntos respeitando as diferenças e acho que isso ainda vai longe.
Educação – não se resume à formal, aquela que hoje vivemos como que amarrados para treinamento com vistas a atender os interesses do mundo do trabalho. Essa educação tem se mostrado insuficiente para a humanidade e, com raras exceções, tem feito alguma coisa para tornar o mundo e as pessoas melhores, mas muito mais devido aos esforços dos seus agentes (professores e estudantes) do que pela via da institucionalidade. Por enquanto a educação formal tem sido uma forma de desumanização e de objetificação ou coisificação.
Trabalho – Vários pensadores afirmaram que o trabalho dignifica o homem, mas, no capitalismo ele coisifica o ser humano e o transforma em uma mera mercadoria. Isso é o inverso do ser humano e da liberdade, pois, essa forma de trabalho escraviza e imbeciliza.
O trabalho deve fazer parte da vida de forma a não torná-lo escravo; deve ser parte da vida assim como o lazer e a felicidade; os povos indígenas, antes de terem suas terras invadidas e tomadas pelos brancos viviam o trabalho como parte natural da vida e do lazer, mas aí vieram os brancos e fizeram o que temos hoje. Transformaram o que se dava de forma natural numa forma de escravidão e ainda se dizem civilizados; tô me lixando pra esse tipo de civilização.
Espiritualidade – uma expressão natural do ser humano que não é apenas matéria, pois é dotado de pensamento e de sentimento sobre o mundo, as pessoas e as coisas. A espiritualidade é fundamental para o ser humano, mas, quando essa espiritualidade se torna coletiva ela aparece mais na forma de religião e aí é que a coisa tende a desandar porque entra no terreno da institucionalidade e desautoriza o ser humano a expressar sua fé e a espiritualidade de forma espontânea. Isso é complicado porque aí formata e engessa o ser humano e fere a sua integridade e sua liberdade.
Religião – Expressão coletiva da espiritualidade humana; não existe religião melhor ou pior, o que existem são interpretações erradas de Deus que está dentro de cada um e tende para o bem e não para o mal. As guerras e maldades em nome de Deus são ações puramente humanas como demonstração de sua pequenez.
Deus – Existe sim, mas ele é único em sua individualidade e idiossincrasia como forma de expressão da espiritualidade; reduzir a humanidade a um Deus único a ser adorado não passa de uma interpretação eivada de política e de ideologia com vistas à dominação; assim aconteceu para a colonização no mundo e deu no que deu com escravidão e exploração. Pensar dessa forma é um passo para o fundamentalismo, o que é um perigo tendo em vista que desrespeita a diversidade cultural; se você acredita no seu Deus como único isso é uma verdade pára você e tem sua razão de ser, agora, querer que todo o mundo se resuma a sua idéia isso é pura ideologia para dominação.
Tortura – a maior expressão da covardia e da pequenez de quem o pratica como ser humano, pois quem faz já está morto em sua essência.
Direita e esquerda – É uma forma de classificação para sabermos de que lado está quando se trata de política, principalmente de política pública. Uma coisa é certa: não se governa só para a direita ou só para a esquerda, se governa para a sociedade, para o povo; agora, quando se trata de direita significa que a política publica é priorizada a partir de interesses privados, de modo que as necessidades do trabalhador – a maioria que é pobre e explorada fica em segundo plano.
Liberdade – É a condição sem a qual o ser humano não vive.
Preconceito – é uma demonstração da ignorância e da pequenez humana que por ser incapaz de se perceber tenta inferiorizar o outro para se sentir importante e não percebe que com isso se torna muito menor como humano; é também uma forma de construção de um imaginário para a dominação e por isso toda forma de preconceito deve ser enfrentada e banida.
Bom, assim vejo a vida aos cinqüenta e considero que é muito bom ver o mundo com novas lentes a partir da experiência de vida.