“No caso das saias do Colégio Pedro II não significa que todos irão usar as saias. Tal medida aconteceu de uma flexibilização do Colégio atendendo algumas reivindicações da medida do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT)” Emílio Lopes.
por Emílio Lopes
Em uma viagem à Escócia, uma equipe brasileira de pais conservadores é convidada a conhecer os “kilts”, vestimentas que vestem alguns dos cidadãos daquele país desde o Século XVIII. Para o estranhamento de muitos há um choque de culturas, pois homens não devem usar saias. Nesse momento não há lugar para diversidade, apenas para uma visão unilateral. Onde já se viu homens de saias! Dirão alguns.
De volta da Escócia, estes pais são conduzidos a visitar um Colégio do Rio de Janeiro, o Pedro II, onde notam meninos vestindo saias juntamente com as garotas secundaristas em pleno recreio. Não causaria estranheza se um membro da equipe de viajantes vociferasse ou esbravejasse sobre a não aceitação de tal ousadia.
É exatamente isso que reflete as muitas faces do preconceito no Brasil, quando o assunto é mudança no sentido de incluir ou alterar qualquer hábito ou sistema tradicional. Inclusive no aspecto moral ou educativo.
Outro acontecimento que tem despertado a ira com comentários e até devaneios ideológicos de parte dos cidadãos aqui no país, foi o da alteração da “grade curricular” (Rubem Alves odiava esse nome) do Ensino Médio com a possível retirada de disciplinas consideradas indispensáveis para o processo formador do aluno. A revolta maior seria dos profissionais que se sentiram excluídos do processo, pois o governo usou uma Medida Provisória (MP) sem ouvir a categoria.
Uma medida que pode flexibilizar o ensino num país que apresenta cerca de 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos fora da Escola pode ter seu lado vantajoso. O próprio MEC admite a necessidade de enxugamento do Currículo Escolar. Por esse número é fácil entender o porquê de a mudança priorizar o Ensino Médio, entendido por muitos, como o gargalo da educação brasileira.
ÉTICA DA RESISTÊNCIA
A resistência da sociedade diante de tais mudanças escancara uma realidade. Não somos ainda abertos a mudanças para pensar e discutir a alteridade, olhar o outro ou mesmo o coletivo. Prevalece a questão individual e a resistência a mudanças.
Falta-nos conhecer aquilo a que A. Gramsci chamou de “coisa inútil, difícil e árdua para o pensar dialético”, pois este pensar, segundo ele, vai contra o pensamento dogmático. Ou seja, permanece preso a ideias e sistemas do passado, fechado para um diálogo que impede mudanças. Povo e governo resistiriam ao rompimento de paradigmas estabelecidos.
Esta falta de sintonia pode acontecer devido aos desejos egoístas de um indivíduo, o que não nos interessa neste momento, ou pode acontecer também porque o indivíduo tem a forte sensação que o coletivo inteiro, ou pelo menos sua moral, estão andando em uma direção profundamente errada.
Conforme analisa Brusek, “a ética é uma forma de resistir, a moral é uma forma de concordar, de concordar, também, com a resistência”. O resistir da ética pode concordar com a moral, mas nunca perde a sua propriedade singular.
Dessa forma, as mudanças de hábito quanto ao uso da roupa apropriada ou as mudanças no Ensino Médio ainda que discutíveis, surgem para apresentar uma nova perspectiva de hábito onde a adaptação pede passagem.
A ética do resistir, fundamentada na experiência mística do resistir do Ser, surpreende somente àqueles que esperam da ética exclusivamente, resultados sociais
E realmente pode essa ética levar a um distanciamento daquilo que chamamos sociedade ou até conduzir a uma fuga da civilização e do “mundo”. O agir, no seu sentido sociológico que entende a ação social como orientada pela expectativa dos outros, pode faltar completamente e ser substituído por uma postura do deixar ser.
O grande impacto disso, para muitos, foi não ouvir os pais dos alunos na escolha do uniforme e os profissionais da educação e pais de alunos no quesito reforma do ensino.
Com as mudanças, o currículo do Ensino Médio vai ser dividido em dois, uma parte com disciplinas fixas obrigatórias e outra com optativas, nas quais o aluno poderá construir uma grade adequada ao seu perfil e seu próprio projeto de futuro. A medida não exclui Artes e Educação Física totalmente. Porém, deixa as Escolas livres para optar por sua inclusão ou não.
No caso das saias do Colégio Pedro II não significa que todos irão usar as saias. Tal medida aconteceu de uma flexibilização do Colégio atendendo algumas reivindicações da medida do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT).
Oportuno lembrar que em setembro de 2014, um grupo de jovens vestiu saias em um protesto contra o sexismo. A manifestação ocorreu depois após a direção do colégio chamar a atenção de um aluno por usar saia dentro das dependências do colégio.
Se para muitos, houve nesse caso, um diálogo com os hábitos da escola e com a sociedade no sentido de integrar pessoas independente de gênero, para outros isso é inadmissível. Evidencia nesse caso, uma resistência. Lembrem-se essa Escola foi a primeira a permitir o uso do nome social por travestis e transexuais.
Que venham mudanças. Mas, sobretudo, que se abra o canal do diálogo com a sociedade e governo, pois o segredo do pensamento dialético bem sucedido é, portanto, saber conciliar os pólos opostos e complementares, a fim de que se obtenha sempre uma visão equilibrada daquilo em que há perspectiva de mudança sem carregar o peso do preconceito ou da exclusão social.
Emílio Lopes é escritor e professor em Gurupi, atuando também na Academia de Letras desta cidade.