João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor adjunto da UFT Campus de Arraias. Trabalha com projetos em cinema e educação
Há coisas que acontecem na vida e na história que não podem ser esquecidas de maneira alguma por vários motivos: ou porque foram muito boas ou porque deixaram cicatrizes profundas. Dentre as principais formas de não esquecer estão fotos, cartas, livros e filmes.
O filme Tempo de resistência (André Ristum, 2003) é uma obra que merece ser vista sempre para que fique cada vez mais claro o que foi a Ditadura Militar no Brasil iniciada em 1964 que durou mais de vinte anos, bem como saber suas conseqüências e as formas de resistência e de enfrentamento desse regime de exceção por parte da sociedade.
Tempo de resistência é uma obra inspirada no livro homônimo do autor Leopoldo Paulino, testemunha viva do período de repressão; Leopoldo foi preso aos 18 anos no famoso 30° Congresso da UNE e também integrou a ALN- Ação Libertadora Nacional, comandada por Carlos Marighela.
O documentário apresenta imagens de arquivos e depoimentos de mais de 30 pessoas que fizeram parte da história de resistência à ditadura ( dentre elas Franklin Martins, José Dirceu, Aloysio Nunes, Vanderlei Caixe, Denise Crispim);a obra contém ainda músicas de Chico Buarque, Geraldo Vandré e Francis Hime.
Os depoimentos são intercalados com imagens da época, incluindo reportagens de jornais, imagens diversas, como a do comício do presidente deposto João Goulart, conflitos entre estudantes e militares e cenas da volta dos anistiados.
A maneira como são apresentados os depoimentos emociona, esclarece e permite, principalmente aos mais jovens que não viveram esse período, tomar conhecimento dos principais aspectos políticos e sociais que marcaram os anos de chumbo no Brasil.
Destacam-se no filme o contexto político que culminou com o golpe de 64 e as formas de luta e de resistência dos estudantes e de militantes da esquerda, especialmente dos que integraram a luta armada, recurso limite utilizado pelos guerrilheiros como forma de enfrentamento a Ditadura Militar imposta pelas elites da época.
A atualidade do filme se mostra principalmente quando retrata os motivos e os defensores do regime militar; os motivos encontram-se na insatisfação das elites contrárias as ações e programas populares iniciados pelo governo João Goulart, a saber: as reformas de base que incluíam a reforma agrária, reforma tributaria, a reforma eleitoral e especialmente a necessidade de diminuição da pobreza e das desigualdades sociais. Do lado dos defensores está a direita brasileira formada pelos partidos conservadores, políticos, empresários, igreja e a classe média apoiados pelos Estados Unidos.
Nota-se que as políticas sociais adotadas pelo então presidente João Goulart naquela época, e que apresentavam um viés popular, foram consideradas perigosas para a classe dominante (observe que não é de hoje essa questão); com isso a reação por parte de setores conservadores foi truculenta ao articular o golpe de 31 de março de 1964, que teve o apoio de empresários, grande parte da igreja e da classe média da época.
Na parte da resistência os depoimentos dos militantes sobreviventes da repressão, alvos de torturas diversas, refletem a tensão, os conflitos de opiniões e posicionamentos da esquerda e as avaliações dos bravos resistentes daquele duro período.
Os detalhes das torturas porque passaram os militantes são chocantes e, ao mesmo tempo mostra os bastidores do regime militar e a angustia dos mais esclarecidos sobre a dura realidade enfrentada, enquanto que grande parte da população não tinha noção do que acontecia de fato, até mesmo porque a censura e a repressão foram institucionalizadas pelos protagonistas da Ditadura.
Tempo de resistência, tanto o filme quanto o livro são indispensáveis para entender o que foi o Golpe Militar e suas conseqüências e, principalmente contextualizar com a nossa época para refletir sobre as semelhanças e diferenças de ontem e de hoje, especialmente quando se considera os acontecimentos e seus atores sociais envolvidos.
O filme demonstra que os interesses das elites, os discursos, estratégias e os atores que derrubaram o presidente João Goulart são os mesmos apresentados na atualidade. Ressalta-se o discurso de ódio contra as políticas sociais, a criminalização da esquerda e dos movimentos sociais. Tais estratégias estão presentes no contexto atual que levou ao processo de impeachment da presidente Dilma.
Enfim, Tempo de resistência mostra que a história política brasileira, assim com a dos vários países, é marcada por conflito e por contradições e se apresenta como tragédia ou como farsa; no presente temos uma farsa.
A partir do exposto, recomendo a todos assistir o filme e debater nas escolas, universidades, cine clubes e demais espaços.