“Você sabia que o Congresso Nacional registra impressionantes 3.334 Propostas de Emenda à Constituição da República Federativa do Brasilde 1988? Em apenas um ano, deputados e senadores brasileiros propuseram 10 vezes o número de emendas realizadas na Constituição dos Estados Unidos em seus 227 anos de existência. É um descalabro! A insegurança jurídica no Brasil é a regra. Há de tudo um pouco: medidas que vão do fim do voto obrigatório, redução de IPVA para motoristas sem multas, até o fim da prerrogativa de foro privilegiado e a mudança no método de indicação de ministros para o STF”. Helder Caldeira.
Por HELDER CALDEIRA [email protected]
Um dos instrumentos basilares da estabilidade institucional é a perenidade de sua legislação. Exemplo clássico é a Constituição dos Estados Unidos, que entrou em vigor em 1789 e sofreu apenas 28 emendas nesses 227 anos de existência, dez delas no único bloco “Bill of Rights”, a emblemática declaração dos direitos dos cidadãos norte-americanos, cuja vigência data de 1791. É exatamente essa solidez constitucional — “à prova de imbecis”, como reza o rifão estadunidense — que garante a força das instituições dos EUA.
No Brasil, a regra é a insegurança jurídica. Desde a independência, foram sete Constituições: em 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a última em 1988, alcunhada de “Constituição Cidadã”.
Diante do crescente movimento popular contrário ao ajuste fiscal encaminhado pelo Governo Federal através da PEC 241, é fundamental observar a quantidade expressiva de remendos constitucionais apresentados pelos deputados e senadores brasileiros. De acordo com dados oficiais do Poder Legislativo, desde a vigência da Carta Magna de 1988 foram apresentadas 3.334 Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Destas, 1.058 ainda estão em tramitação no Congresso Nacional.
No silêncio da burocracia, entre os milhares de remendos constitucionais propostos pelos parlamentares, há medidas de enorme impacto na sociedade. Uma delas, a PEC 271/2016, foi proposta no último dia 25 de outubro pelo deputado e ex-ministro Celso Pansera (PMDB/RJ) com o objetivo de alterar o caput do Art. 14 da Constituição e colocar fim à obrigatoriedade do voto. Nos termos da justificativa apresentada pelo parlamentar fluminense, “hoje, entende-se que a obrigatoriedade do voto não torna mais fiel a imagem das intenções por ele retratada […] e o voto facultativo é, atualmente, não apenas uma tendência, mas uma realidade mundial consagrada na maioria das nações democráticas ocidentais”.
Outro tema que vem ganhando destaque na opinião pública é o fim do foro por prerrogativa de função. Desde que a sociedade brasileira constatou que mais de uma centena de réus da Operação Lava-Jato já foram presos e condenados em juízo de 1ª instância no Paraná e políticos que gozam do chamado “foro privilegiado” sequer tiveram denúncias aceitas pelo Supremo Tribunal Federal, o assunto tornou-se clamor de grande parte da população. Já existem três PECs para definir a questão e uma delas tramita há mais de uma década na Congresso.
Há 11 anos, o deputado Anselmo de Jesus (PT/RO) apresentou a PEC 470/2005 que visava extinguir o foro privilegiado apenas dos parlamentares. Oito anos depois, a proposta recebeu o apenso da PEC 312/2013, de autoria do deputado Marcos Rogério (DEM/RO), com a previsão de extinguir toda e qualquer prerrogativa de foro especial nos Três Poderes. Como o assunto não encontra consenso na Câmara, no último mês de agosto o deputado João Carlos Bacelar (PTN/BA) apresentou a PEC 261/2016, consagrando a teoria publicamente defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF. De acordo com a proposta, a prerrogativa de foro por função ficaria restrita ao presidente e vice-presidente da República, aos presidentes da Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal e ao procurador-geral da República. A PEC também prevê a criação de uma vara especializada da Justiça Federal em Brasília para julgar os estimados 22 mil políticos e magistrados que atualmente possuem foro privilegiado.
O método de indicação de ministros do STF é alvo de outras três PECs. A mais recente delas — a PEC 259/2016 —, apresentada pelo deputado Roberto de Lucena (PV/SP), altera o Art. 101 da Constituição e estabelece que os próprios ministros do Supremo devem encaminhar ao Congresso Nacional uma lista quíntupla. Os cincos indicados, então, seriam sabatinados por uma Comissão Mista de deputados e senadores, que em escrutínio secreto elegeriam uma lista tríplice. Esses três nomes seguiriam para livre escolha do presidente da República, em um prazo máximo de 90 dias. A proposta está apensada a outras duas já em trâmite na Câmara: PEC 262/2008 do deputado Neilton Mulim (PR/RJ); e PEC 142/2013 de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT/PI).
Para além das causas próprias, também há emendas com reflexo imediato no bolso dos cidadãos comuns. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ) propõe, através da PEC 266/2016, alterar o Art. 155 §6º da Constituição, criando uma espécie de “ficha limpa” para os motoristas. Pela proposta, quem não tenha cometido infrações à legislação de trânsito no ano anterior será recompensado com uma redução no valor do IPVA subsequente. A PEC não estabelece qual seria o percentual de desconto, transmitindo às legislações estaduais a responsabilidade de fixar tais valores.
Dentre os atuais oito deputados e três senadores mato-grossenses, apenas quatro constam no rol das Propostas de Emenda à Constituição: Nilson Leitão (PSDB) apresentou quatro PECs; Carlos Bezerra (PMDB) e Professor Victório Galli (PSC) apresentaram duas PECs cada um; e Valtenir Pereira (PROS) é autor de 13 PECs. O atual governador Pedro Taques (PSDB), quando exercia o mandato de senador, apresentou a PEC 284/2013, que segue em tramitação e propõe proibir a nomeação para cargos de confiança daquelas pessoas em situação de inelegibilidade.
A ANSIEDADE DOS NOVATOS
Deputados e senadores em primeiro ano de mandato são acometidos pela tentação de remendar a Constituição. Em levantamento realizado entre as PECs apresentadas a cada ano desde a vigência da Carta em 1988, constatase que períodos imediatamente posteriores às eleições nacionais registram um aumento expressivo no número de Emendas apresentadas, em sua maioria por novatos no Parlamento.
O volume de Propostas de Emenda à Constituição em anos subsequentes às eleições nacionais é impressionante: em 1999 foram apresentadas 196 PECs; Em 2003 esse número sobe para 226; em 2007 foram registradas 216; em 2011 há um recuo para 135 propostas apresentadas; que volta a crescer em 2015, quando o Congresso registrou 185 PECs.
No entanto, é no ano de 1995 que deputados e senadores exibiram maior vigor na tentativa de coser retalhos à Carta Magna do Brasil: foram apresentadas 300 Propostas de Emenda à Constituição em um único ano, recorde que equivale a dez vezes o número de alterações realizadas na Constituição dos EUA em seus 227 anos de existência.