“O termo mais adequado que se pode utilizar é a Indústria da religião, na qual se usa o nome de Deus, orações e cultos fervorosos para enriquecer uma minoria, exatamente os principais líderes dos movimentos como o demonstrado em Uganda, de forma que “milagrosamente” alguns pastores se tornam muito ricos, tendo inclusive adquirido mansões fora do país, como é o caso de um dos principais líderes religiosos e fervoroso incentivador do projeto de Lei aprovado em 2014 no país que criminaliza o homossexualismo e conduz a prisão perpetua ou à pena de morte quem for identificado como gay”. João Nunes.
João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT Campus de Arraias -TO.Trabalha com projetos em cinema e educação
God Loves Uganda é um documentário americano, produzido em 2013, de uma hora e quarenta e três minutos, dirigido por Roger Ross William. Trata de uma forte campanha evangélica incentivada maciçamente por setores conservadores dos Estados Unidos que tem arregimentado centenas de jovens americanos para, em nome de Deus, difundirem os seus valores e propagar uma verdadeira cruzada de perseguição e ódio aos homossexuais.
O filme denuncia que o avanço dos valores da direita americana por meio da religião tem conduzido o país de Uganda ao acirramento do ódio,o que tem provocado uma situação perigosa de instabilidade, inclusive resultando em assassinato de pessoas, sobretudo os gays.
Conforme demonstra o filme, um jovem, defensor da causa GLBT, foi barbaramente assassinado e vários outros são hostilizados nas ruas e ameaçados de morte.
O que mais impressiona em God loves Uganda é como a religião, que poderia ser usada sabiamente como um alento às pessoas, um conforto aos que tanto sofrem, passa a ser a principal forma de ódio, de perseguição e de desrespeito a vida e aos direitos humanos.
Com relatos de jovens missionários, pastores e lideranças políticas e religiosas, além de depoimentos de pessoas que se opõem ao discurso de ódio que tem avançado no pais, o documentário chama a atenção para o perigo do fundamentalismo e da Industria da religião quando incentivam o fanatismo e avançam em lugares onde a ignorância, o conservadorismo, a pobreza e a desigualdade se tornaram tão comuns.
A questão central destacada no filme de Roger William é o crescimento do discurso de ódio, característica de regimes fascistas que tem provocado hostilidades e danos irreversíveis à sociedade.
Mas outra coisa que é destacada em God loves Uganda é o questionamento sobre os reais interesses que estão por trás desse crescimento vertiginoso de grupos religiosos em diversos países do mundo, especialmente na África, como é o caso de Uganda.
O termo mais adequado que se pode utilizar é a Indústria da religião, na qual se usa o nome de Deus, orações e cultos fervorosos para enriquecer uma minoria, exatamente os principais líderes dos movimentos como o demonstrado em Uganda, de forma que “milagrosamente” alguns pastores se tornam muito ricos, tendo inclusive adquirido mansões fora do país, como é o caso de um dos principais líderes religiosos e fervoroso incentivador do projeto de Lei aprovado em 2014 no país que criminaliza o homossexualismo e conduz a prisão perpetua ou à pena de morte quem for identificado como gay.
Segundo relatório apresentado em maio de 2014, pelo SMUG- Minorias Sexuais de Uganda e equipe LGBT de segurança nacional, a violência contra a comunidade LGBT, após a promulgação da Lei anti-gay no país cresceu 750%. Os principais casos estão relacionados a torturas, seqüestros, prisões, chantagens, demissões, ordem de despejo, perseguições da mídia e intimidações. Confira aqui o endereço.
Sem dúvida, é uma situação preocupante, pois, não há como imaginar que tal realidade seja considerada algo justificável e que mereça aplausos de alguém e principalmente em nome de Deus.
Para algumas lideranças religiosas que se colocam contra o discurso homofóbico, que tem crescido assustadoramente em vários países, o que se mostra nitidamente com o avanço de missionários americanos em países como Uganda é a propagação dos valores americanos mais conservadores que tem tomado conta das instituições diversas do país, além de propiciarem o enriquecimento somente das principais lideranças religiosas e aumentado a intolerância e o ódio contra os gays.
A conseqüência direta do que é denunciado no documentário God loves Uganda, além do crescimento da violência e do desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano, como a vida, é o claro desrespeito à diversidade cultural, além da instabilidade e da barbaridade.
Diante da realidade apresentada é importante considerar que vivemos no mundo uma onda crescente de intolerância e de ódio que só tem causado instabilidade e conflitos diversos. No Brasil ainda não chegamos a tal ponto, talvez, mas, os dados têm demonstrado que os discursos conservadores, principalmente de intolerância ao diferente, têm sido ecoado em diversos cantos do país e provocado perseguições aos gays e até mesmo mortes.
Segundo informações do GGB- Grupo Gay da Bahia, mais antiga entidade do gênero no Brasil, em 2015 foram assassinados 318 gays no Brasil e o estado que apresentou mais casos foi em São Paulo, com 55 assassinatos.
Conforme reportagem do G1-Globo-Fantástico, de 19 de junho de 2016, estima-se que a cada 28 horas um homossexual morre de forma violenta no Brasil. Confira aqui.
Se analisarmos com atenção esses dados e comparar com os discursos de ódio e as piadas ou ações homofôbicas, tão comuns no cotidiano, e ainda tivermos a coragem de verificar quem são os representantes políticos no Congresso Nacional que apresentam discursos de ódio e projetos contra a homossexualidade, rapidamente percebemos que as ações homofóbicas, inclusive as mais horrendas como os assassinatos tem sido legitimados pelas instituições e por lideranças que deveriam lutar pela paz, pelo respeito à diversidade a diferença, como as religiões e seus principais lideres, por exemplo.
Nada justifica o ódio, a intolerância e o desrespeito a vida. Tais práticas não combinam com o nome de Deus e as lições de amor ensinadas por Jesus, conforme se pode constatar no Novo Testamento.
É importante destacar que não são todos os religiosos que são coniventes com a perseguição as pessoas ligadas a LGBT, mas sim, a ala mais conservadora das religiões que insiste num discurso e numa prática que não convém com os ensinamentos atribuídos a Jesus, conforme se pode constar nos escritos sobre ele na própria bíblia; a falta de um mínimo de conhecimento aprofundado e de sensibilidade é o que leva a ações injustificáveis desse tipo.
Filmes como God loves Uganda são fundamentais para auxiliar na reflexão sobre a nossa sociedade, a diversidade e o respeito; uma dica para trabalhar em sala de aula nas escolas e em universidades nas disciplinas como Sociologia e Filosofia, entre outras afins. Recomendo.