João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT Campus de Arraias. Trabalha como projeto em cinema e educação
O documentário She’s beautiful when she’s angry, que pode ser traduzido como Ela é linda quando está zangada, é uma produção americana de 2014 dirigida por Mary Dore.
O filme trata da luta das mulheres contra o modelo baseado no patriarcalismo e no machismo que imperam ainda hoje na sociedade e cujas estruturas institucionais insistem em uma visão de mundo onde só há lugar para os homens; esse modelo imposto construiu uma imagem que cabe às mulheres a resignação e apenas o lugar reservado a elas pelos homens a condição de belas, recatadas e do lar.
A diretora Mary Dore é uma cineasta que costuma trabalhar com uma perspectiva ativista em seus filmes; por exemplo, é dela The Good Fight: a brigada Abraham Lincoln durante a Guerra Civil espanhola. Ela também produziu vários documentários de televisão para a PBS, New York Times TV, A&E, e Discovery Channel. Com seu trabalho na TV já ganhou Emmys, Cine Golden Eagles, e Ace Premios cabo.
Mas o que é interessante em She’s beautiful when she’s angry é que a luta das mulheres contra o preconceito e discriminação nos Estados Unidos dos anos 1960 se mostra bastante atual. Inclusive o filme apresenta depoimentos de feministas como Betty Frieden, Rita Mae Brown, Judith Arcana, entre outras.
O filme revela várias situações, questionamentos, mobilizações e falas das mulheres que foram pioneiras do movimento feminista; na década dos anos 1960 a realidade das mulheres não era muito diferente da que temos hoje, especialmente no que diz respeito à visão machista que já se mostrava na dificuldade de acesso ao emprego, nos baixos salários, na percepção negativa sobre aquelas mulheres que confrontavam o padrão patriarcal da sociedade, sobre o direito ao seu corpo, sobre as vontades femininas, sobre o direito a liberdade, entre outras questões se mostravam tão forte quanto nos dias atuais.
A luta pela liberdade e por direitos iguais já não é de hoje, como bem demonstra o documentário da diretora Mary Dore. As imagens e depoimentos de feministas e de outras pessoas, incluindo homens e mulheres, mostrados nos filme demonstram que a luta feminista não é apenas uma luta de algumas mulheres, mas sim se trata, num plano mais amplo, da luta pelos direitos humanos tão negados ainda no contexto atual da sociedade e tão mal compreendidos por muitas pessoas.
O direito a vida, a liberdade, a subjetividade, a sexualidade assim como o direito as creches para os filhos, o combate a toda forma de assédio e de preconceito e de violência são temas universais e, portanto, não se trata de imaginação ou anseios de algumas mulheres.
São filmes dessa natureza que, indubitavelmente, oferecem oportunidade para problematizar a sociedade em que vivemos; principalmente para refletir sobre a coisificação da mulher como objeto sexual e a serviço exclusivamente dos homens ainda tão incrustados na sociedade que se mostra conservadora, machista e retrograda e demonstrados em quase toda programação de TV, nas propagandas, peças publicitárias, nas atitudes e insinuações cotidianas dos diversos ambientes, especialmente nas empresas.
Fato notório dessa percepção retrógrada se mostra na composição machista do ministério do presidente interino Temer cuja ausência feminina causou estranheza e recebeu criticas até mesmo de quem apoiou o golpe travestido de legalidade por meio do impeachment.
Sem dúvidas, o filme nos impele a contextualizar com a realidade política que vivemos no Brasil hoje, principalmente com o avanço do fascismo representado pelo nosso parlamento brasileiro, nos xingamentos e agressões e na criminalização dos movimentos sociais mais à esquerda.
O documentário She’s beautiful when she’s angry se mostra, portanto, bastante atual e indispensável para favorecer o debate nas escolas, universidades e nos diversos grupos e organizações da sociedade sobre o mundo que vivemos e suas estruturas arcaicas ainda predominantes.