“Essa tal história única tem se tornando preponderante não apenas pela influencia da mídia, como o cinema, mas também por meio de práticas, gestos e ações cristalizadas ao longo do tempo as quais legitimam os interesses e idéias dominantes. Sem dúvida, é uma das principais formas de preconceito ainda presente em nosso meio”. João Nunes da Silva
João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT- Campus de Miracema.Trabalha com projetos em cinema e educação
Quantas vezes você já se deparou com determinados discursos sobre pessoas e ou lugares, de forma negativa? Certamente várias vezes, não é? Provavelmente desde que nascemos ouvimos referencias aos povos africanos e indígenas como indolentes, preguiçosos e desprovidos de conhecimentos.
Essa é uma forma de distorcer a realidade e criar um imaginário negativo, principalmente sobre culturas e povos que não se submeteram as imposições dos colonizadores.
Até hoje é comum a existência de filmes, programas de TV e até de livros que contam histórias sobre culturas diferentes como dependentes de um conhecimento exterior, como se as pessoas de determinadas regiões ou localidades não tivessem a mínima capacidade de agir de maneira racional e autônoma.
Quando criança eu cansei de assistir filmes de faroeste cujos “mocinhos” eram brancos que enfrentavam uma infinidade de índios como se estes fossem bandidos perigosos que viviam somente para azucrinar a vida dos “civilizados”.
Praticamente todo filme de faroeste americano apresenta uma narrativa que favorece no espectador um imaginário totalmente negativo sobre os povos nativos de tal forma que dificilmente quem cresceu com esse imaginário pensa alguma coisa boa sobre índio ou sobre povos africanos.
Quem não se lembra de Tarzan, um seriado estadunidense, produzido de 1966 a 1968, no qual apenas um branco que por alguma razão passou a viver num território africano e somente ele, o branco, apresentava habilidades e inteligência suficientes para enfrentar os perigos diversos, como ataque de animais silvestres, enfrentar tribos inimigas, estrangeiros, etc; pois é, Tarzan era o cara que estava ali, na “selva” africana para defender os nativos de qualquer perigo, como se os nativos não soubessem absolutamente nada de técnicas de sobrevivência e sequer fazer alguma coisa inteligente.
Há pouco tempo assisti ao filme Diamante de sangue (2006), dirigido por Edward Zwick, cujo protagonista era nada mais do que um branco de olhos claros que também por alguma razão estava no meio a uma guerra civil na em Serra Leoa, defendendo os negros de etnias inimigas e do abuso como a escravidão.
A narrativa criada no filme apresenta um único branco, o mocinho vivido por Leonardo di Caprio, capaz de resolver os conflitos numa região africana dominada por conflitos pela posse dos diamantes.
Há uma variedade de filmes cujo teor é o mesmo: criar um imaginário negativo sobre as culturas diferentes, especialmente referente aos povos de países colonizados, como forma de justificar a colonização, a escravidão e todo o processo de exploração e de humilhação imposto pelos ditos “civilizados”.
Essa narrativa construída pelas elites colonizadoras e repetida constantemente é denominada História única, ou discurso único; tal estratégia tem sido tão forte que até mesmo determinadas pessoas que foram vítimas de colonização passam a repetir o discurso criado pelas elites que se constituíram como a única verdade.
A história única tem sido até mesmo reforçada pelas diversas instituições sociais como: religião, educação, mercado, Estado, família, de tal modo que tem se tornado muito difícil fazer determinadas pessoas acreditarem em algo diferente do que costumaram ouvir.
Essa tal história única tem se tornando preponderante não apenas pela influencia da mídia, como o cinema, mas também por meio de práticas, gestos e ações cristalizadas ao longo do tempo as quais legitimam os interesses e idéias dominantes. Sem dúvida, é uma das principais formas de preconceito ainda presente em nosso meio.
A escritora nigeriana Chimamanda Adichie se tornou conhecida mundialmente principalmente por denunciar o que ela denominou de O perigo da história única. Sua denuncia foi feita na ocasião de um evento (TED) Tecnology, Entertainment and Design, disponibilizado no youtube num vídeo.
Dentre os principais aspectos do discurso da escritora no TED, destaca-se sua fala sobre o fato de que tudo o que aprendeu durante muito tempo de sua vida era que os livros “naturalmente tinham de ter estrangeiros e ser sobre coisas com as quais eu não poderia me identificar”. Mas aos pouco foi percebendo que existiam livros africanos, o que mudou completamente sua vida.
A história única continua presente em nossa sociedade e corresponde a uma das estratégias que tem se mostrado bastante eficaz como forma de distorcer a história dos povos colocados á margem da sociedade.
Na atualidade o perigo da história única se faz presente no cotidiano e é reforçado pelas instituições sociais, principalmente quando nega o questionamento, a reflexão e a problematização, como se apresentam em propostas como a Escola sem partido.