“O pior de tudo isso é que se empurra de goela abaixo para a sociedade uma mudança dessas principalmente porque se conta com a ignorância da maioria que, de certa forma, já moldada pelos ditames do período ditatorial militar assimilou a ideia de que ler é para poucos e que não interessa muito ler quando se tem uma mídia que “ensina” como devemos ser e quando existem especialistas para cada situação ou problema”, João Nunes.
João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT Campus de Arraias. Trabalha como projeto em cinema e educação
No dia 22/09 o governo Michel Temer, que chegou ao poder por um golpe parlamentar, anunciou as mudanças que acontecerão no ensino médio, mudanças essas consideradas uma das maiores mudanças educacionais nos últimos vinte anos no Brasil.
A proposta de mudanças para a educação foi feita por meio de uma Medida Provisória – MP. Para essa ação, nenhum professor ou aluno foram ouvidos; nenhum intelectual, a não ser o ator Alexandre Frota, conhecido principalmente por sua postura machista e por atuar em filmes pornôs.
Isso mesmo, o Ministro da Educação, que entende de educação tanto quanto Alexandre Frota, é responsável por uma das principais reformas educacionais que está para acontecer; isso sem ouvir nenhuma comissão de professores, nenhum pedagogo ou cientista social, nenhum educador, e, principalmente, sem consulta alguma a sociedade.
A tal reforma anunciada é tributaria do pensamento ditatorial levado a cabo no Brasil a partir do Golpe Militar de 1964.
A proposta anunciada tem como principal objetivo eliminar qualquer possibilidade de reflexão e de crítica por meio das disciplinas que serão flexibilizadas, como Sociologia, Filosofia e Artes, principalmente.
A idéia é clara: formar indivíduos alheios a realidade, as discussões e conflitos existentes e focar na formação para o trabalho, o que é típico de uma pedagogia tecnicista, através da qual o estudante é tido como um objeto a serviço do sistema e do mercado.
Quem conhece, pensa, reclama e incomoda e numa sociedade focada no consumo aqueles que dominam não aceitam qualquer tipo de questionamento de suas ações e de seus interesses. A idéia básica é: como impor a obediência por meio da Educação?
A mudança apontada por meio de uma Medida Provisória evidencia o caráter ditatorial, o desrespeito e a truculência que já se tornou comum nesse governo que chegou ao poder de forma inescrupulosa.
Dentre as principais mudanças impostas encontram-se as seguintes:
Contratação de professores sem diploma específico– Esse é um dos pontos polêmicos, afinal, quem são essas pessoas de notórios saber? Quem os denominou ou outorgou essa título ou graça? Para que valem então a escola e a Universidade?
Na prática o que pode acontecer concretamente é a substituição de professores formados por apadrinhados políticos que sequer dominem o conhecimento necessário para atuar na educação.
Alguém tem dúvidas disso? Com certeza não é preciso muito esforço para vislumbrar como essa mudança se dará na prática.
Flexibilização da Carga horária – mesmo continuando uma carga horária de 2400 horas, a metade será disponibilizada para o currículo flexível.
Flexibilização da grade curricular – as disciplinas como Sociologia, Filosofia, Artes, Educação física não serão mais obrigatórias.
Ensino em tempo integral – o governo pretende estimular o ensino integral até 2018. Para isso não consta praticamente nada consistente de como isso irá acontecer; também a sociedade não foi ouvida para isso.
Outra mudança proposta é quanto ao vestibular – pelo apresentado a idéia é incentivar a entrada na Universidade também de forma flexível (em parte), porém conforme os conteúdos definidos pelo MEC; atualmente as universidades têm liberdade para tal escolha.
A medida imposta ignora a necessidade de uma educação que favoreça a capacidade de questionamentos, de crítica e de reflexão; afinal, é o mesmo formato imposto pela Ditadura instalada em 1964.
Com essas medidas que modificarão profundamente a educação fica clara a intenção de formar indivíduos máquinas e desprovidos de qualquer possibilidade de reflexão.
Fica também notória uma educação para as elites e outra para a massa. Em outros termos, define-se uma educação para dominantes e outra para dominados de forma a perpetuar a desigualdade.
A farsa imposta com o nome de flexibilização é mais uma maneira de iludir os incautos e de torná-los ainda mais dependentes de uma ordem social desigual e injusta.
O pior de tudo isso é que se empurra de goela abaixo para a sociedade uma mudança dessas principalmente porque se conta com a ignorância da maioria que, de certa forma, já moldada pelos ditames do período ditatorial militar assimilou a idéia de que ler é para poucos e que não interessa muito ler quando se tem uma mídia que “ensina” como devemos ser e quando existem especialistas para cada situação ou problema.
Não por acaso tenho notado em minhas experiências em sala da aula na Universidade, principalmente, que a maioria dos estudantes detesta ler e os poucos que lêem alguma coisa, quando lêem, priorizam livros de auto-ajuda ou livros religiosos e motivacionais. Observe, estou me referindo a Universitários e não a estudantes de escolas.
O termo pomposo flexibilizar as disciplinas de humanas e sociais ( não escapou nem mesmo educação física, que não é de humanas) impõe a idéia de uma coisa muito boa, pois, afinal, os estudantes poderão escolher o que querem estudar. Será mesmo?
Trata-se de mais uma farsa, pois com as disciplinas, que dizem que os estudantes poderão escolher já se apresenta uma situação desigual; ou seja, se podem escolher é porque não são tão importantes assim; essa é a imagem principal que fica mesmo de forma inconscientemente. E desde quando quem aprendeu que leitura não é importante vão escolher tais disciplinas?
As medidas impostas sinalizam para um retrocesso na educação, além de impor aos professores uma carga horária maior e com o mesmo salário. Pois é, na vida nada parece tão ruim que não possa piorar; essa frase serve como uma luva no caso da Educação brasileira.
Diante do exposto finalizo com as seguintes questões:
A quem interessa tais mudanças na educação?
Quem vai ganhar mesmo com isso?
Só não vê quem não quer ou não tem noção.