“A sociedade é o lugar por excelência para o crescimento do indivíduo; é, na verdade, um grande palco, onde todos se tornam personagens; essa é a palavra mais acertada para entendermos as ações humanas, suas virtudes e defeitos; por isso não se deve julgar uma pessoa simplesmente por uma situação ou acontecimento e muito menos pelo que se ouviu falar sobre ele. Ignorar isso é o caminho para a criminalização do diferente”.
João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor adjunto da UFT- Campus de Arraias. Trabalha com projetos em cinema e educação.
A sociedade é o lugar onde o indivíduo se faz e se completa; a socialização é um processo que envolve relação social através da qual o ser humano, como indivíduo pode encontrar o necessário para o seu conhecimento e, consequentemente, crescimento pessoal e social, o que nem sempre acontece como se espera.
Toda pessoa humana precisa desse contato social para viver; a psicologia e as demais ciências sociais demonstram a importância do contato social para a formação do ser humano.
A história da humanidade tem mostrado como o individuo, por meio de suas relações sociais tem se conhecido melhor e, com isso, encontrado condições para enfrentar as dificuldades e desafios como pessoa no mundo.
É evidente que o indivíduo como um ser social está em contato direto com desafios; uma relação a dois, por exemplo, já demanda vários desafios para cada pessoa; é por meio do contato direto com o outro que se conhece os limites de cada um e a possibilidade de amadurecimento, principalmente quando se tem noção exata do seu lugar no mundo, dos conflitos de interesses e da necessidade de convivência.
Cada indivíduo é uma parte no mundo, o que significa que carrega consigo toda influência do meio em que vive e das experiências que fez ou faz parte. Evidentemente que essas experiências podem não ter sido tão boas quanto esperava e precisava; todavia, somente com a ciência do que vivenciou é que se torna capaz de amadurecer, principalmente quando reconhece seus erros e limitações pra que possa avançar.
As experiências que se mostraram negativas para cada indivíduo são também importantes para superar desafios maiores.
Nem sempre as coisas são como gostaríamos que fossem; é exatamente o oposto do que esperávamos que muitas vezes acontece; mas é com a consciência dos conflitos e de suas possibilidades que o indivíduo se fortalece para novos desafios na sociedade.
A sociedade é o lugar por excelência para o crescimento do indivíduo; é, na verdade, um grande palco, onde todos se tornam personagens; essa é a palavra mais acertada para entendermos as ações humanas, suas virtudes e defeitos; por isso não se deve julgar uma pessoa simplesmente por uma situação ou acontecimento e muito menos pelo que se ouviu falar sobre ele. Ignorar isso é o caminho para a criminalização do diferente.
O sociólogo Erving Goffman (1922 – 1982) evidencia em seus estudos o conceito de personagem como uma máscara que cada indivíduo usa de acordo com as necessidades que se apresentam no seu contato com os outros na sociedade.
A máscara nem sempre pode ser vista como uma farsa, mas é resultado direto da necessidade que cada pessoa encontra diante das convenções e imposições sociais estabelecidas. Para saber mais sobre o assunto indico a leitura dos seus livros: A representação do eu na vida cotidiana, (2011) e Manicômios, Prisões e conventos, (2001).
Goffmam estudou as instituições totais e suas implicações no individuo e na sociedade. O autor chama de instituições totais aquelas voltadas para disciplinar os indivíduos supostamente não socializáveis, como os presos e classificados como loucos e, portanto, tidos até como perigosos para a sociedade; assim se encaixam os presídios, os manicômios, principalmente.
Os indivíduos tidos como não socializáveis passam a ser tratados como objetos e são submetidos a regras e normas rígidas para a proteção da sociedade. Mas nem sempre o perigo está em quem é atribuído o perigo, pois, em geral são vítimas da maioria ignorante e preconceituosa, ou das condições de dominação estabelecidas.
O ser social é todo indivíduo, mas passa a ser não sociável quando seus atos não correspondem ao padrão estabelecido pela maioria. O padrão é uma imposição jungida pelos valores, costumes e interesses hegemônicos; isto é, legitimados pelo pensamento da coletividade corroborado pela tradição constituída historicamente.
A tradição e o conservadorismo, por sua vez, nem sempre atende as necessidades dos julgados e condenados a uma condição vil, como acontecem com os encarcerados pobres, os criminalizados por apresentarem opiniões diferentes ou ignorar as regras estabelecidas.
Mas não precisa ir muito longe para ser tido como não socializável; as vezes basta ser diferente do padrão instituído pela ordem vigente, pelo mercado e pela classe dominante. Ser negro, pobre, estrangeiro, velho, deficiente, não seguir a religião da maioria, ser gay, lésbica, trans ou queer, tais condições já são suficientes para tornar tais pessoas em alvo de discriminação e de perseguição.
O indivíduo como ser social está, portanto, submetido à pressão da maioria, o que gera desconforto e sofrimento na maioria das vezes. Sua liberdade, o direito a vida, o direito de ser respeitado em sua diferença geralmente passam a ser ignorados simplesmente pelo fato de ser diferente, como acontece no filme Divergente, dirigido por Neil Burger, 2014.
Em Divergente uma garota de 16 anos passa a ser perseguida por não se encaixar em nenhuma das cinco facções estabelecidas, embora apresente uma natureza eclética. Sobre esse filme tratarei em artigo próximo.