por Ricardo Gondim
Eu sou maior que os meus sonhos. Fantasio. Viajo no tempo; vou e volto nos devaneios, mas continuo maior que me imagino.
Eu sou do tamanho das minhas inadequações. Não me atormento com o que me falta. Enriqueço com o que me tornei. Celebro a percepção, ao mesmo tempo cruel e fascinante, de saber-me incompleto. Guardo uma sede insaciável de eternidade. Morrerei. Não tento negar a trilha por onde seguem os mortais. Retornarei, um dia, à inconsciência da minha pré-história. Nadarei no útero de Deus com a mesma paz que nadei no ventre de minha mãe. Isso não parece sina. É privilégio. Trato o presente com delicadeza. Nele deposito as sementes dessa aspiração futura.
Eu sou maior que a imagem que reflito nas águas. A ideia que nutro sobre mim mesmo está contaminada. Sou influenciado com rasgos elogiosos. Quem me ama me vê bonito. Às vezes acredito. Também creio que fui envenenado pelo ódio de quem me antipatiza. Construo-me com as opiniões subjetivas dos que me rodeiam. Juízos de valores pesam. Carinho e amizade contam. Continuo uma ideia, uma abstração. Ninguém traça a versão verdadeira sobre mim.
Coexistem duas personagens dentro de mim: o mito e o sujeito real. Os dois se confundem. Abrão e Abraão, Jacó e Israel, Simão e Pedro, Saulo e Paulo não poderiam ser distinguidos um do outro. Nem eu. Reagi às experiências da vida do meu modo. Criei calos, envernizei arestas, costurei rasgos, untei feridas. Sinto cócegas na alma, lá onde nenhum outro sabe. Meu espírito se comove sem que consiga explicar os porquês. Meu coração tem razões únicas.
Sou inédito. Absorvi alegrias e amarguras de um jeito exclusivo. A mescla de lágrimas e risos forma, em minha peculiaridade, um universo distinto chamado eu.
Eu sou maior que as minha convicções. Penso, medito, reflito, repenso e regurgito ideias. Não esgoto os questionamentos infantis. Por que existe algo e não o nada? Como o mal se universalizou? De onde vem a intuição sobre alguém ou algo divino? Por que o conhecimento e a ignorância sobre mim desafiam e angustiam?
Continuo encafifado. Noto a vida curta. Fortuna foi deusa aleatória, intermitente e sem discrição na distribuição de suas bênçãos. Não sofri demais como não experimentei a riqueza. Assim, meu universo de dúvidas permanece maior do que a minha diminuta gleba de certezas.
Eu sou maior que a minha saudade. Por ser longevo fiquei órfão. Perdi amigos e muita gente querida. Assisto, impotente, à inclemência do tempo. Ele condena ao anonimato rostos que mal recordo o nome. Já me perco na vizinhança onde cresci. Eventos se esfumaçam na memória. Lamento ver o rio do devir levar, enxurrada a baixo, anos dourados, adolescência corajosa e juventude idealista. Saudade é dor sem cura, pois aflige sem arrefecer. Se a saudade dá alguma trégua, é por pouco tempo – ela pode aumentar os intervalos da dor, feito parto, mas nunca passa.
Eu sou maior que as ideias que desenvolvi sobre Deus. No grande mistério, penso pequeno. Sei que Deus mora além de qualquer substantivo que o defina. Quando medito sobre ele, caminho em margens rasas. Depois de tudo que estudei, li, escrevi e falei sobre o Eterno, nada sei ainda. Fecho os olhos e penso que Deus talvez seja como um senhor portentoso, diáfano, e magnífico reitor do universo. Rápido retrocedo. Reconheço que acabo de criar um ídolo. Deus vem das águas profundas do “não sei”. Lá, onde nenhum profeta conseguiu tomar pé, habita o imarcescível.
Sou maior do que me imagino em diversas áreas. Contudo, não tenho a menor ideia do que isso significa.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: ricardogondin2@gmail.