João Nunes da Silva
Doutor em Comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor adjunto da UFT- Campus de Arraias. Trabalha com projetos em cinema e educação
Em artigo anterior destaquei aspectos da relação complexa entre indivíduo e Estado; agora tratarei mais dessa complexidade.
É fato que a existência do Estado se deu em conformidade com a sociedade, tendo em vista que se percebeu a impossibilidade dos indivíduos conviverem harmoniosamente sem a presença dessa instituição, pois não apresenta ainda maturidade para tanto, pelo menos em se tratando da sociedade ocidental instituída a partir da racionalidade instrumental.
Assim como as demais instituições sociais, o Estado tem sua importância para a perpetuação da sociedade; afinal, geralmente, é com o aval dos seus indivíduos que o Estado tem sua razão de existir. Mas se o Estado pode trazer algum benefício, como não podemos ignorar, é fato que tais benesses não vêm sem contradições, que não são poucas.
A seguir vejamos algumas questões que merecem reflexão sobre os motivos que justificam, ou não, a existência do Estado.
Primeiramente é importante perceber o quanto há necessidades de regras e normas claras para manter a segurança dos indivíduos; ainda não se inventou um meio suficiente para viver em sociedade sem a existência de regras; e isso vale para varias situações; por exemplo, se pensarmos nas regulamentações para o trabalho, a saúde, a educação, logo se vê que não dá para negar o Estado.
Mas quando o Estado ultrapassa seus limites a ponto de limitar o indivíduo, cercear sua liberdade e reprimir seu jeito de ser e suas opiniões? Questões como essas merecem bastante reflexão na sociedade que vivemos atualmente.
Na sociedade moderna o indivíduo tem sido colocado numa situação pra dizer no mínimo estranha; aliás, a idéia de que o indivíduo tem liberdade no Estado de direito pode ser considerada em parte, até mesmo porque esse próprio Estado funciona a partir da lógica de que você tem que seguir as regras e normas estabelecidas, o que nem sempre atende nem mesmo o indivíduo em sua subjetividade.
Na sociedade dependente do Estado os indivíduos são forçados a seguir todos os mecanismos e processos desenvolvidos por meio da burocracia e até mesmo da força, quando julgam necessárias.
É estranho que nessa sociedade moderna a racionalidade muitas vezes tenha servido mais para aprisionar do que libertar; é que o sonho liberal levado a cabo pela classe burguesa repousa sob infinitas contradições; ao mesmo tempo em que se prega tanto a liberdade e a propriedade como fundamentais para o indivíduo, coisas caríssimas ao sonho liberal, todo esse sonho parece ir abaixo pelo conservadorismo lancinante, pelas suas contradições inerentes e pela falsa ilusão de que o Estado burguês trará a felicidade desejada com o mercado impondo suas regras; isso é uma grande falácia.
Aí se vê a crença nas instituições como uma forma de garantia da ordem institucionalizada, mas essa ordem institucionalizada parece ir à contramão da subjetividade e das necessidades humanas; por exemplo, a liberdade está mais para quem tem condições econômicas suficientes para consumir e até mesmo quem tem muito para consumir se perde no vazio da onda do consumo, uma vez que o prazer realizado perde o seu sentido com a realização, o que demanda mais consumo, como explica Bauman em sua obra Modernidade liquida.
Outra questão polêmica está na forma como as regras institucionais ignoram as necessidades e particularidades humanas como as emocionais, políticas, culturais e religiosas; como a ordem é estabelecida a partir de uma cultura, a que se coloca hegemônica, desrespeita-se a diversidade e as minorias são silenciadas pela cultura dominante.
Estamos, portanto, numa sinuca de bico com o Estado sufocando os indivíduos e suas idiossincrasias; e acredita-se ingenuamente que as estruturas estabelecidas nesse tipo de sociedade são suficientes para conter os desajustes e atender cada individuo em suas necessidades.
Nesse tipo de sociedade a lei passa a fazer mais sentido quando não faz sentido, pois o individuo espera que a lei resolva suas necessidades sem levar em conta seus mecanismos criados e os interesses dos que julgam, assim como não percebem, em sua maioria que são apenas objetos do sistema imposto.
Ou seja, o individuo ocidental, principalmente, nascido e crescido no sistema capitalista, criou sua própria armadilha e se vê confuso em meio a tantas contradições e iniqüidades inerentes ao sistema, mas sabe que tem que viver (ou seria sobreviver?) de modo que se perde inutilmente em sua rotina assim como na punição de Sísifo condenando a rolar uma pedra até o alto e retomar quando está para chegar ao topo.
Diante do exposto, finalizo com duas questões: se o Estado é uma necessidade, que tipo de Estado é salutar para todos? Como construir juntos?