“Alguns fatores, talvez, tenham levado ao declínio moral da profissão, desafiando os operadores do direito a um debate profícuo afim de identificar as causas, e por conseguinte, a promoção de medidas visando o resgate ético e moral do honroso ofício”. Sandra Florisa Camargo.
Por Sandra Florisa A. Camargo
A OAB exerce relevante função dentro do contexto histórico – político – social do Brasil, denotando a sua essencialidade na importante missão de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, boa aplicação das leis, rápida administração e aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Sua essencialidade como instituição que pugna pela preservação do Estado democrático de Direito[1] é notoriamente célebre, conforme pesquisas anuais publicadas pelo jornal DataFolha que apontam A Ordem dos Advogados do Brasil entre as 3 (três) instituições no país com maior credibilidade na visão da sociedade. Assim, no ranking dos últimos 5 (cindo) anos, a OAB alterna liderança com as Forças Armadas e Polícia Federal.
O reconhecimento dessa trajetória aguerrida se consolidou com atuação pragmática em defesa da democracia e causas sociais que representam, empiricamente, o sentido de defesa da cidadania previstos na Constituição Federal.
Por expressa previsão constitucional e da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), embora a Ordem não mantenha com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico, assumindo posição de independência em detrimento de outras entidades de classe, por isso considerada sui generis[2], sua proeminência supera o corporativismo profissional, aquiescendo a relevância histórica na política brasileira que ostenta contemporaneamente o viés político por sua própria representatividade, sem, contudo, se encetar de partidarismo.
Neste contexto, foram embasadas as opiniões dos entrevistados pelo Data Folha, ou seja, corroborados na “crença de uma instituição independente e altiva” que atua, sobretudo, em defesa da democracia.
Pois bem…
Em que pese o respeito e confiança que goza Ordem dos Advogados do Brasil, o mesmo não se pode dizer da credibilidade acerca dos advogados e advogadas militantes em todos os confins do país. Com este contrassenso a advocacia enfrenta grandes desafios passando por período culminante de descredito na visão da sociedade hodierna.
Foi o tempo em que advogados e advogadas eram vistos como sábios e merecedores da estima e confiança das pessoas. Notadamente, por diversas ocorrências, o senso comum os chancelou como: desonestos, ladrões, oportunistas e etc.
O estigma censurável prostitui a imagem da advocacia, desaguando em situações lamentáveis corriqueiramente experimentadas pelos advogados e advogadas na violação de suas prerrogativas dentro de Tribunais e delegacias do país.
Nessa conjuntura, podemos ir além, e para isso vale a pena mencionar fatos recentes divulgados pela imprensa nacional, como por exemplo: O caso do proprietário da rede de lojas Havan, Luciano Hang, que utilizou das redes sociais para chamar os advogados de “porcos” e “bando de abutres”[3]. Vejamos a legenda do post:
“A OAB (ordem dos Advogados do Brasil) é uma vergonha. Está sempre do lado errado. Quanto pior melhor, vivem da desgraça alheia. Parecem porcos que se acostumaram a viver num chiqueiro, não sabem que podem viver na limpeza, na ética, na ordem e principalmente ajudar o Brasil. Só pensam no bolso deles, quanto vão ganhar com a desgraça dos outros. Bando de abutres.”
Sem adentrar em discussões políticas, mas apenas buscando contextualizar a decadência moral da advocacia, podemos citar a matéria vinculada pela revista Veja, em que o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan, diz categoricamente[4]: “Para que serve essa Ordem dos Advogados do Brasil a não ser para defender quem está à margem da lei?
Episódio gravoso, pode se destacar, foi o intitulado “Manifesto contra o quinto constitucional” lançado pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES)[5] opinando pela supressão das cadeiras destinadas a advocacia, sob o argumento sectário de despreparo técnico necessário ao cargo, vez que não teriam passado sob o crivo de um concurso público.
As propostas legislativas avançam visando tornar a advocacia dispensável, contrariando o artigo 133 da Carta Magna que aduz: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Acerca dos acontecimentos acima ilustrados, a Ordem tem tomado medidas judiciais imperativas no combate às ações refratárias e partidárias que tentam desqualificar a entidade e o papel constitucional da advocacia na preservação da democracia, fortalecendo a premissa de que “sem advogado(a) não existe justiça”[6].
Superada as ponderações sobre a importância da Ordem e os paradigmas existentes, eis que surge a necessidade de debater, identificar e combater o ranço sociológico ao qual encontra-se exposta a classe.
Alguns fatores, talvez, tenham levado ao declínio moral da profissão, desafiando os operadores do direito a um debate profícuo afim de identificar as causas, e por conseguinte, a promoção de medidas visando o resgate ético e moral do honroso ofício.
Apesar das pesquisas não indicarem um enfraquecimento institucional, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, promove uma agenda de ações preocupada com a preservação das prerrogativas como forma de resgatar a moral profissional dos advogados e advogadas por vezes rechaçados pela sociedade, magistrados e demais autoridades como arrazoado no referido texto.
O posicionamento da Ordem contra a violação das prerrogativas se revela impositiva e imprescindível para proteção da independência dos advogados e advogadas, eis que estão conectados à defesa do Estado Democrático de Direito e dos cidadãos. Todavia, outras questões, sobretudo as de caráter ético precisam ser sopesadas igualitariamente.
Há quem sustente a ideia de que a numerosa oferta de Cursos de Direito banalizou a profissão, resultando na baixa qualidade do ensino, mercantilização e saturação de mercado. A disputa sangrenta por “um lugar ao sol” teria feito com que profissionais incorressem em faltas graves, desconsiderando o “decálogo da advocacia” e os princípios éticos dispostos no Estatuto da Advocacia e Código de Ética e Disciplina que devem nortear a atuação profissional.
Outros também atribuem a pecha ao paternalismo da Ordem, por meio dos Conselhos Seccionais e Tribunais de Ética, que eventualmente se esquivam de efetivamente punir advogados faltosos, sendo equivocadamente interpretados, inclusive pela classe, como uma espécie de “Sindicato”[7], atuando parcialmente em oposição a missão constitucional outorgada pela Constituição Federal.
Inarredável a mitigação do protecionismo que maquia interesses político classistas, e, ou, simplesmente o acovardamento no cumprimento do múnus público, ainda que no ministério do exercício privado, e do mesmo modo no julgamento de seus pares, pois coloca em cheque a confiança depositada pela sociedade, vez que o exercício da advocacia deve primar pela efetivação de interesses coletivos, visando garantir o acesso à justiça em seu sentido mais amplo, seja na esfera judicial ou administrativamente no âmbito dos Conselhos Seccionais.
Feita essas breves digressões que contrariam significativa parcela de profissionais da advocacia, sobretudo os que julgam a Ordem como “Sindicato”, ou apenas aos que fomentam exclusivamente na defesa das prerrogativas a salvaguarda da imagem da categoria, sustentando discretamente e a boca miúda que as discussões quanto a ética dos profissionais e fortalecimento dos Tribunais de Éticas sejam medidas impopulares e desagregadoras de votos, e por isso não merecem destaque, pode –se afirmar, incidem em ledo engano.
Como dizia o renomado jurista Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão de covardes”. Dito isso, conclui-se que, enquanto as Seccionais não atuarem arduamente na punição de advogados faltosos, nossa profissão continuará em descredito junto a sociedade, pois apenas o resgate das prerrogativas não poderão serenar o chamado “boca a boca” da população, por vezes, lesada com atitudes de profissionais que desmerecem o exercício da advocacia.
SANDRA FLORISA A.CAMARGO – OAB/4643
[1] O Estado democrático de direito é um conceito que se refere a um Estado em que existe o respeito pelos direitos humanos e pelas e garantias fundamentais. Deve existir a garantia dos direitos individuais e coletivos, dos direitos sociais e dos direitos políticos.
[2] Sui generis é uma expressão em latim que significa “de seu próprio gênero” ou “de espécie única”.
[3] https://doutoradevogado.jusbrasil.com.br/noticias/664034117/dono-da-havan-e-alvo-de-acp-por-chamar-advogados-de-porcos-e-bando-de-abutres
[4] https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-questiona-para-que-serve-a-oab-entidade-reage/
[5] https://anamages.org.br/artigos/manifesto-contra-o-quinto-constitucional
[6] https://www.oab.org.br/noticia/57326/nota-a-imprensa?argumentoPesquisa=prerrogativas
[7] Sindicato é uma associação estável e permanente de trabalhadores urbano-industrial, como rurais e de serviços, que se unem a partir da constatação e resolução de problemas e necessidades comuns.