“Evoca-se muito as famílias destruídas pela cocaína, e é justamente por isso que eu não aprovo que alguém a comercialize, da mesma forma que eu não aprovo que alguém comercialize seu corpo, ou compre o corpo de alguém pra ter uma hora de sexo. É horrível, é destrutivo, faz mal, mas eu não posso obrigar por força de lei que uma pessoa não se destrua”. Halley Pereira Gomes
Por Halley Pereira Gomes
Não concordo que alguém venda seu corpo, que faça sexo por dinheiro. Não acho digno. Porém, não posso querer que alguém vá para a prisão, que cumpra uma pena de 8, 12, 20 anos de cadeia por fazer algo que eu reprovo. E tudo por um motivo muito simples: a pessoa que se prostitui não está fazendo mal a mais ninguém, se não unicamente a si mesma.
Mas e as famílias destruídas por causa da prostituição? Não sei se você sabe, mas uma prostituta tem um potencial enorme de destruir um lar. Sem falar do vício que isso causa naqueles que se entregam. Existe um desagregamento social quando a prostituição aumenta.

Ora, se a prostituição representa um mal, convenhamos, se não existisse a prostituta, a prostituição também não existiria. Por que não prender a garota de programa que leva o homem de bem a se prostituir? Por que não prender o homem que convence com dinheiro a mulher a lhe entregar seu corpo?
E a razão é muito simples, só se prende alguém quando ele faz algo que outro não gostaria que lhe fosse feito. A pessoa que é roubada não queria ser roubada. A pessoa que é estuprada não queria ser estuprada. Mas a pessoa que faz sexo por dinheiro queria fazer para receber o pagamento combinado.
A verdade é que, ninguém é obrigado a se prostituir. Ninguém força o outro a ir a um quarto de motel, pois caso fosse já seria estupro, e não é caso. Estamos falando de duas pessoas adultas que, por acordo, fazem uma troca consensual.
A prostituição é algo danoso? Sim. Reprovável? Sim. Porém não é um crime, pois tudo que é feito, é feito em acordo. Existe alguém que deseja pagar pelo prazer, e existe alguém disposto a oferecer este prazer em troca de dinheiro. Se eles se destroem, não é possível botá-los na cadeia, pois a vida é deles. Agora, as famílias implicadas sempre precisam de apoio para lidarem com as consequências da prostituição.
Então, apesar de eu não aprovar que uma pessoa pague outra pra obter sexo, não cabe aqui eu querer prender ninguém, pois quem é adulto tem autonomia pra tomar as decisões que queira.
Mas e a venda de drogas, onde é que entra nessa história?
É a mesma situação. Eu contei toda essa estória pra chegar ao mesmo ponto. Não posso aprovar que alguém venda, por exemplo, cocaína pra um adulto, mas se é um adulto que está comprando, o que eu tenho haver com isso? Não são dois adultos que estão fazendo uma troca consensual? O que eu tenho que me meter então na vida dos dois?
Evoca-se muito as famílias destruídas pela cocaína, e é justamente por isso que eu não aprovo que alguém a comercialize, da mesma forma que eu não aprovo que alguém comercialize seu corpo, ou compre o corpo de alguém pra ter uma hora de sexo. É horrível, é destrutivo, faz mal, mas eu não posso obrigar por força de lei que uma pessoa não se destrua.
Nós precisamos entender que a lei serve para que evitemos que alguém faça mal ao próximo. E se eu considero que a pessoa que vende cocaína a um terceiro está fazendo mal ao próximo e, por isso, precisa ser preso, eu teria que considerar que a pessoa que compra o corpo de uma garota de programa está fazendo mal a ela e, por isso, precisa também ser preso. Ou pelo contrário, a garota que vende seu corpo a um pai de família precisaria ser presa, por estar destruindo um homem e sua família junto.
Eu não nego que me sinto muito desconfortável pra falar sobre descriminalização da venda de drogas, justamente por causa do mal que essas drogas mais pesadas, como a cocaína, causam a quem faz uso delas. Mas precisamos aceitar que não é prendendo quem vende ou quem usa que vamos resolver o problema da vontade humana de se destruir.
Na verdade, tudo nos mostra que estamos é piorando as coisas cada vez mais.