Por Redação
A investigação sobre um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) teve origem em um processo de conflito fundiário. A denúncia foi feita por uma advogada após uma abordagem inesperada de outro advogado, que sugeriu a necessidade de um “reforço” para garantir um voto favorável em um julgamento.
O caso veio à tona quando a advogada, representando uma das partes em uma disputa por propriedades rurais, observou uma mudança surpreendente na postura de um desembargador durante o trâmite do processo. Inicialmente, o relator e o revisor votaram a favor de seus clientes, mas uma desembargadora que pediu vista dos autos apresentou posteriormente um voto contrário. Em seguida, o desembargador, que já havia votado a favor, também mudou seu voto, acompanhando a divergência.
As suspeitas se intensificaram quando, entre as sessões, a advogada foi procurada por outro advogado, descrito como a “pessoa ideal para tratar de conflitos fundiários” no Tribunal. Este advogado insinuou que o marido de uma desembargadora estaria “negociando votos” e sugeriu que a advogada oferecesse um “reforço” ao desembargador investigado para evitar a mudança de voto.
Conflito fundiário
A advogada denunciou a situação, apresentando um dossiê que deu início a uma investigação preliminar, culminando na Operação Máximus, realizada pela Polícia Federal em 23 de agosto de 2024. A operação investiga crimes de corrupção ativa, exploração de prestígio, lavagem de dinheiro e organização criminosa, e resultou no afastamento do desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, considerado a figura central do esquema, e do juiz José Maria Lima.
“Inicialmente, cumpre observar que a investigação teve início a partir do termo de declarações prestado por uma advogada, no qual noticia que atua em processo de conflito fundiário instaurado para disputa da propriedade de imóveis rurais localizados no Município de Almas (TO) e que, embora aparentasse inicialmente tratar-se de conflito fundiário corriqueiro, foi surpreendida quando o Juízo de primeira instância deferiu liminar em favor dos requerentes.” (Ênfase da redação)
“Consta mais dos autos que, com a representação, a referida advogada teria apresentado extenso dossiê para contextualizar os fatos, que foram objeto de investigação preliminar, gerando, assim, a Informação de Polícia Judiciária n. 3619279/2022 (fls. 5-67 dos autos do Inq n. 1.600). Por meio de diligências da Polícia Federal, foi possível constatar, então, que o agravo mencionado, de fato, fora desprovido por maioria, nos termos do voto da desembargadora em substituição, que foi acompanhada pelo desembargador investigado.
Na sequência, foram requeridas e deferidas onde medidas cautelares, consistentes nas Quebras de Sigilo n. 184/D2F (telefônico e interceptação telefônica), 185/DF (bancário) e 186/DF (telemático).”, trechos transcritos da medida Cautelar Inominada Criminal nº 113 – DF.
Processos de Regularização Fundiária no Centro da Investigação
A investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal resultou na medida Cautelar Inominada Criminal nº 113 – DF, revelou, entre outros, que magistrados estariam ligados a uma organização criminosa dedicada à venda de decisões judiciais, especialmente, o que pode incluir processos relacionados à conflitos ou regularização fundiária no estado do Tocantins.
O esquema, que foi alvo da Operação Máximus, trouxe à tona um complexo sistema de tráfico de influência e venda de sentenças. Entre os investigados altos funcionários de órgãos públicos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto de Terras do Tocantins (Itertins), à época dos fatos.
Rede de Influência e Manipulação
Trechos da medida cautelar destacam a existência de uma organização criminosa estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas entre seus membros, que atuavam em diferentes órgãos públicos, incluindo o Poder Judiciário, o Poder Executivo do Estado do Tocantins e o Poder Executivo do Município de Palmas. O objetivo dessa organização era obter vantagens diretas ou indiretas decorrentes da regularização fundiária de áreas de interesse específico.
Segundo a decisão do Ministro João Otávio de Noronha, que conduz o caso, a investigação começou a partir dos Inquéritos nº 1.668/DF e 1.600/DF, focados inicialmente em apurar a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Com o avanço das investigações, foi desvelado um esquema que incluía a regularização fundiária no Estado do Tocantins, confira alguns trechos transcritos da medida Cautelar:
- “h) Organização criminosa da regularização fundiária no Estado do Tocantins – “R. de P.” (art. 2º da Lei n. 12.850/2013) envolvendo os Desembargadores J. R. G., E. M. S. L. e o Juiz O. N. da S., o Procurador K. de M. L., o Presidente do Instituto de Terras do Tocantins, R. M. F., e o envolvido T. S., entre outros.”
“Há elementos que indicam a existência de uma organização criminosa instalada no Estado do Tocantins, estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas, cada membro com atuação no respectivo órgão/autarquia, envolvendo o Poder Judiciário e o Poder Executivo do Estado do Tocantins e o Poder Executivo do Município de Palmas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem decorrente da regularização fundiária de áreas de interesse específico,” afirma o Ministro Noronha na decisão.
“Dos autos constam ainda indícios de que T. S. e T. A. P. M. atuaram fortemente na indicação do presidente do I. de T. do T., ou seja, R. M. F., com o objetivo de garantir regularizações fundiárias específicas, inclusive com conexões deles com os Desembargadores investigados J. R. G. e H. M. também nessa matéria, além de indícios do envolvimento da Desembargadora E. M. S. F., à época Corregedora-Geral de Justiça do Estado do Tocantins e responsável pelo controle dos cartórios e serventias extrajudiciais, bem como pelo Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (NUPREF), sendo certo que ela é inclusive sogra do advogado A. de B. V.”
“Informa a autoridade policial que a Desembargadora E. M. S. F. nomeou o também investigado Juiz O. N. como Coordenador do Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária, que se utilizava de sua função para facilitar feitos de interesse da organização criminosa, da forma como atuava na 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas.”
“O indicado juiz proferiu decisão concessiva de tutela provisória de urgência nos autos do Processo n. 0026390-77.2019.8.27.2729, em que se discutia a serventia do Cartório de Registro de Imóveis de Palmas. A decisão tornou possível que o investigado I. S. de A. C. fosse o tabelião titular do referido cartório e garantisse os interesses da organização criminosa relacionados às questões fundiárias, conforme se depreende da IPJ n. 5163683/2023 (fls. 472-490 da CauInomCrim n. 113/DF).”
“Além disso, foi extraída conversa entre T. M. e supostamente F. B. de M. P. no terminal (63) xxxxxxxx, com o print de celular com reportagem do Governo do Tocantins sobre evento com o título “Parlamento Amazônico discute regularização fundiária e licenciamento ambiental” (fl. 185 da CauInomCrim n. 113/DF), bem como uma conversa entre T. M. e o terminal telefônico (63) xxxx xxxx, em que há arquivo em extensão JPG relativo à fotografia do Despacho n. 79/2023 do presidente do I. de T. do T., R. M. F. L., que versa sobre a regularização fundiária no Município de Natividade, tendo como interessado G. R. T. (fl. 186 da CauInomCrim n. 113/DF).”
“Há indícios ainda de que a influência da suposta organização criminosa alcança a esfera do Poder Executivo federal, como a Superintendência do INCRA no Estado do Tocantins, uma vez que existe áudio em que T. M. afirma ter influência na questão da regularização fundiária e, em interlocução pela rede social WhatsApp com o terminal (63) xxxx xxxx, pertencente a J. E. da S., T. M. promete interferir diretamente na tramitação de processos daquela autarquia federal, utilizando-se de sua amizade com o presidente do I., ou seja, R. M. F. L. (fl. 194).”
“Na sequência, oito dias depois, na nuvem de T. M., foi encontrado áudio com o terminal (63) xxxx xxxx, em que se escuta a voz supostamente de J. E. agradecendo o favor prestado, o que indica, assim que E. M. G., então Superintendente, teria agido para beneficiar J. E. por influência de T. M. (fl. 194 da CauInomCrimn. 113/DF).”
“A autoridade policial também destaca que os integrantes da organização criminosa têm livre trânsito entre membros tanto do INCRA quanto no PALÁCIO DO ARAGUAIA, sede do Governo do Estado do Tocantins, conforme se extrai de áudio com a suposta voz de T. M. em diretório de conversa com o terminal (61) xxxx xxxx, que descreve essa liberdade de relação com o governador (fl. 196 da CauInomCrim n. 113/DF). O terminal indicado está registrado em nome de E. M. da S., então Superintendente do INCRA, a qual tem dois filhos menores de idade com F. G. M., sócio do escritório M. e L. R. – A. T. e E., em Brasília, havendo indícios, pelo vocativo ali usado, que é ele o real utilizador do referido terminal.”, trechos transcritos da medida Cautelar Inominada Criminal nº 113 – DF, foram descaracterizados números de celulares.
A decisão também menciona que T. S. e T. A. P. M., apontados como membros influentes da organização, tiveram papel fundamental na indicação do presidente do Instituto de Terras do Tocantins, R. M. F., com o objetivo de garantir regularizações fundiárias específicas. Há indícios de que esses envolvidos mantinham conexões com os desembargadores investigados, J. R. G. e H. M., e com a desembargadora E. M. S. F., que à época era Corregedora-Geral de Justiça do Estado do Tocantins e responsável pelo controle dos cartórios e serventias extrajudiciais.
O juiz O. N., também investigado, foi nomeado Coordenador do Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (NUPREF) pela desembargadora E. M. S. F., e utilizava sua posição para facilitar processos de interesse da organização criminosa. Uma das decisões proferidas pelo juiz, nos autos do Processo nº 0026390-77.2019.8.27.2729, permitiu que o investigado I. S. de A. C. se tornasse o tabelião titular do Cartório de Registro de Imóveis de Palmas, garantindo os interesses da organização nas questões fundiárias.
Relembre a relação dos 53 investigados:
1. Adwardys De Barros Vinhal
2. Alexandre Guimaraes Bezerra
3. Almiro De Faria Junior
4. Angela Issa Haonat – Desembargadora do TJ/TO
5. Angela Maria Ribeiro Prudente – Desembargadora do TJ/TO
6. Antenor Aguiar Almeida
7. Bruno Aquino Monteiro
8. Leandro Freire e D’FREIRE Advogados Associados
9. Daniel Almeida Vaz
10. Eder Ferreira Da Silva
11. Eduardo De Oliveira Bucar
12. Eleusa Maria Gutemberg – Ex-Diretor(a) de Governança Fundiária do INCRA
13. Eliane Melhen Marques
14. Etelvina Maria Sampaio Felipe – Desembargadora do TJ/TO
15. Fabio Bezerra De Melo Pereira
16. Gerson Silvano De Paiva Filho
17. Gustavo Furtado Silbernagel
18. Hanoara Martins De Souza Vaz
19. Haynner Asevedo Da Silva
20. João Rigo Guimarães
21. Jocione Da Silva Moura
22. José Alexandre Silva
23. José Eduardo Sampaio
24. José Hermicesar Brilhante Palmeira
25. José Humberto Pereira Muniz Filho
26. José De Moura Filho
27. José Maria Lima
28. Juliana Bezerra De Melo Pereira Santana
29. Kledson De Moura Lima
30. Lucas Antonio Martins De Freitas Lopes
31. Luciano Machado Paço
32. Marcelo Eliseu Rostirolla
33. Marcos Martins Camilo
34. Marilia Rafaela Fregonesi Rodrigues
35. Nelson Carlos Villela Marques
36. Nelson Castro Alves Trad
37. Océlio Nobre Da Silva
38. Onix Farma Produtos Hospitalares Ltda
39. Paulane Brilhante De Macedo Maia
40.Paulo Alexandre Cornélio De Oliveira Brom
41. Paulo De Tarso Daher Filho
42. Rafael Pereira Parente
43. Rafael Sulino De Castro
44. Raimundo Nonato Sousa Cavalcante Júnior
45. Renato Jayme Da Silva – Ex-presidente do Naturatins
46. Robson Moura Figueiredo Lima – Ex-presidente do ITERTINS
47. Rodrigo De Meneses Dos Santos
48. Roniclay Alves De Morais
49. Silvio Castro Da Silveira
50. Thales André Pereira Maia
51. Tapm Publicidade Ltda
52. Thiago Sulino De Castro
53. Wanderlei Barbosa Castro – Governador do Tocantins
Exonerações
O governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) exonerou Renato Jayme da Silva, presidente do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), e Robson Moura Figueiredo, presidente do Instituto de Terras do Estado do Tocantins (Itertins).
Cabe expressar admiração e reconhecimento público pela sua postura firme e ética diante de uma situação tão desafiadorada advogada que denunciou. Sua confiança inabalável no Sistema de Justiça e na capacidade do estado brasileiro de garantir um julgamento justo, mesmo quando pressionada a agir de forma contrária à moral e à lei, é verdadeiramente inspiradora. Ao recusar qualquer sugestão de suborno, a profissional do Direito demonstrou não apenas um compromisso com a integridade, mas também uma profunda crença nos valores que fundamentam a nossa democracia e o direito. Sua coragem em manter-se fiel aos seus princípios, mesmo diante de pressões, é um exemplo de caráter e força que todos deveriam seguir. O portal Atitude Tocantins parabeniza pela sua conduta exemplar.
O portal Atitude Tocantins reafirma seu compromisso com a transparência e a verdade, e continuará acompanhando de perto os desdobramentos dessa investigação. Estamos atentos a novas informações e revelações que possam surgir, com o objetivo de manter nossos leitores sempre bem informados sobre os acontecimentos que impactam diretamente o nosso estado. Fique ligado em nossas próximas edições para atualizações sobre o caso.