por Ana Holanda/Vida Simples
O neto que visita a avó para fazerem juntos gemada. Ela muito idosa, ele cheio de energia e disposição. Ambos se divertem enquanto cozinham e relembram histórias antigas. A cena doce, delicada e com uma boa dose de bom humor faz parte de um dos filmes da web série Grandmas. O projeto foi criado no início do ano passado pelo film maker francês Jonas Pariente. A inspiração é sua avó Suzanne, carinhosamente chamada de Nano, uma egípcia que mora há muitas décadas em Paris e que sempre teve na comida um ponto de contato com os filhos e, posteriormente, com os netos. Jonas colocou o projeto numa plataforma de financiamento coletivo no começo do ano passado. E conseguiu, dessa forma, viabiliza-lo. O resultado pode ser conferido no site do projeto. Por enquanto, existem apenas 3 filmes disponíveis por lá – e a história de Jonas e sua avó é uma delas, claro. Um dos vídeos, aliás, é sobre um jovem neto e sua avó libanesa que mora no Brasil, Mathias Mangin e Rosa Maluf Milan, que no filme ensina a fazer o tradicional charuto de repolho libanês. Todos os filmes têm legenda em inglês. E o que Pariente pretende, a partir de agora, é que mais e mais jovens video makers se inspirem e produzam seus pequenos documentários com as avós. Cada um deve ter, no máximo, 8 minutos e o mote precisa ser a receita preferida da família – o projeto recebeu, recentemente, apoio da Unesco. A proposta é linda e o objetivo é que se transforme em um grande portal de receitas e histórias. Conversamos com Jonas e Mathias sobre o Grandmas Project. A entrevista, com cada um deles, você confere a seguir. Grandmas Project http://grandmasproject.org/ Jonas Pariente, produtor e cineasta francês
Como surgiu a ideia do projeto?
A ideia do Grandmas Project (Projeto Avós, em tradução livre) surgiu numa noite de insônia, em janeiro de 2013. Eu iria completar 30 anos e minha avó, Nano, 80; e não estava feliz com a minha carreira. Eu havia acabado de terminar meu primeiro filme, Next Year in Bombay, e ainda não tinha me envolvido com nenhum outro projeto com o qual me identificasse. Foi então que me lembrei de uma ideia antiga, guardada na gaveta. Era um filme que comecei a fazer em 2005, sobre minhas duas avós; uma nascida na Polônia em 1916, e a outra no Egito em 1950. Ambas migraram para a França. E eu só me reconectava com minhas raízes, ora polonesas, ora egípcias, quando comia os pratos preparados por uma das duas. Foi então que tive um clique: a comida era o fio condutor da minha história. Mas certamente não era só da minha história, mas a de muitas outras pessoas. Então, aquele não poderia ser um projeto só meu, mas de vários film makers.
Sua avó Nano protagoniza não só uma das histórias, como ela também o ajudou a lançar o projeto no financiamento coletivo (ela aparece no vídeo de divulgação do projeto pedindo o apoio das pessoas). Como ela abraçou a ideia?
No início, eu a visitava e ficava filmando enquanto ela preparava suas receitas tradicionais. Sua única preocupação naquele momento era a de que eu mostrasse o filme para desconhecidos, afinal, na cabeça dela, ela não era ninguém. Ela percebeu que aquilo era algo maior – e não apenas um passatempo do neto – quando o financiamento coletivo começou a ganhar corpo e o projeto caiu no gosto da mídia. Saíram algumas notícias e ela recebeu ligações de pessoas elogiando o trabalho, a iniciativa. Acho que ela realmente nunca se deu conta da proporção e da dimensão que o projeto tem. No fundo, sua intenção sempre foi me ajudar.
Seu projeto repercutiu muito e, recentemente, recebeu até mesmo o apoio da Unesco. Como está sendo isso para você?
Para mim foi a prova do poder que a cozinha e que a comida tem nas relações das pessoas. Muita gente veio me contar sobre as receitas de suas avós e a influencia disso em suas vidas. E acredito que o projeto esteja ajudando muito na preservação dessas histórias familiares, dessas relações e receitas. Às vezes, as pessoas não se interessam em preservar isso. Acabam negligenciando um pouco esse contato com as avós. E espero que agora elas se sintam mais animadas ou encorajadas a alimentar esse contato, a conversar mais sobre as histórias de vida de seus antepassados e sobre as receitas de família.
Quais os próximos passos?
Quero terminar o primeiro ciclo do projeto, que deve ter cerca de 30 filmes ou histórias e receitas de avós. Meu objetivo é conseguir isso com o apoio da Unesco, por meio de divulgação, instigando mais e mais gente a filmar e registrar essas histórias. Por fim, quero atrair a atenção de chefs de cozinha, produtores e gente do meio que me ajudem a abrir mais portas e fazer o projeto ganhar o mundo.
Mathias Mangin, cineasta brasileiro que narrou a história de sua avó libanesa, Rosa Maluf Milan, fazendo sua tradicional receita de mehchi, o charuto de repolho.
Como surgiu a ideia de retratar sua avó?
Em 2012, fiz um curta-metragem sobre a minha vó intitulado Dona Rosa,codirigido com Lucas Mandacaru. Já naquela época, a minha vó se deixou filmar sem nenhum problema e criou as condições necessárias para podermos transmitir para os espectadores o seu carisma e a sua força de vida. Com a experiência desse primeiro filme, Rosa se entusiasmou com o fato de ser uma atriz e aceitou alegremente quando perguntei se que queria fazer um segundo filme, dessa vez focado na nossa relação com a comida dele. Aos 97 anos, ela ainda é uma pessoa muito bem disposta, alegre e que acredita na vida, por isso a filmagem foi agradável e fácil.
Como é a relação de vocês e como a comida os conecta?
Acho que a minha avó conseguiu reunir a família durante seus quase 100 anos de vida graças à comida. Todas as famílias passam por momentos de discórdia, mas se tem uma coisa na qual todos concordam é que o charutinho, a kafta, o babaganoush, o homus, o tabule e a sopa de kibe de bola são divinos… Esses pratos são verdadeiras pontes com os momentos mais agradáveis do passado, momentos da infância ou da juventude onde Rosa sempre soube demonstrar carinho com todos que sentaram na sua mesa. Me parece imprescindível incluir Beatriz, a cozinheira, nesse filme, pois ela se tornou a guardiã das receitas familiares. Mesmo se os netos ou filhas conhecem as receitas, foi ela que passou a vida cozinhando com a minha vó, armazenando o saber e aprimorando os pratos. Sendo baiana, ela aprendeu receitas do oriente, as tornou um pouco mais brasileiras. Nesse processo, ela teceu laços com a Rosa que vão muito além da relação que uma cozinheira pode ter com a patroa. As duas se amam, esse é o poder de cozinhar juntos.