Primeiros testes de transações eletrônicas de novo sistema de pagamentos instantâneos que substitui dinheiro em espécie chegam em 2020 ao país e permitirão pagamentos 24 horas por dia, 7 dias por semana
por Redação (Febraban)
Os brasileiros poderão, em breve, enviar e receber dinheiro em até 10 segundos durante 24 horas por dia, sete dias por semana, por meio de um sistema nacional de pagamento instantâneo. Isso em três cliques, no máximo, com uma transação mais rápida do que abrir a bolsa, pegar a carteira e pagar em dinheiro. O processo será simples como procurar um contato na agenda do celular ou enviar uma mensagem. Em 2020, as primeiras transações de pagamentos instantâneos devem estar em teste no Brasil. Os envolvidos nessa transformação tecnológica esperam ter o sistema funcionando integralmente em até dois anos.
O tema pagamentos instantâneos é o assunto de capa da edição 80 da revista CIAB FEBRABAN (foto), divulgada hoje (30) pela Federação, com detalhes sobre o novo sistema. Bancos, instituições financeiras e toda a indústria do setor já se preparam para essa transformação e investem em infraestrutura, tecnologia e discussões técnicas para padronizar e organizar a plataforma de pagamentos instantâneos.
Essa realidade ficou ainda mais próxima, após o Banco Central reunir, pela primeira vez, no início de abril, representantes de dois grupos de trabalho formados para discutir negócios (produtos) e requisitos técnicos de funcionamento (segurança, padronização de serviços, redes de conectividade) do sistema brasileiro de pagamento instantâneo.
“A estimativa é ver os primeiros testes em 2020, com o pagamento instantâneo entre as pessoas físicas e, ao longo do tempo, esse processo deve se ampliar entre empresas e governo”, diz Leandro Vilain, diretor de Negócios e Operações da FEBRABAN, uma das instituições que participa da preparação dessa plataforma nacional.
O Brasil já tem uma infraestrutura de transferência de dinheiro considerada avançada em relação a outros mercados, mas, com as transformações digitais na sociedade, é necessário agilizar ainda mais esses processos.
Atualmente, a transferência de valores de uma conta para outra entre diferentes instituições (financeiras ou de pagamentos) é feita em dias úteis, até 17h, por meio da TED (Transferência Eletrônica Disponível) ou do DOC (Documento de Crédito), este último com limite máximo de envio de R$ 4.999,99 por operação. Já as transferências entre contas da mesma instituição são feitas pelo chamado book transfer. Nesse caso, o valor transferido é creditado imediatamente na conta do credor, mesmo se a operação ocorrer em finais de semana ou em dias não úteis.
“A nossa meta é fazer com que uma transação realizada pelo sistema de pagamento instantâneo leve até 10 segundos, já que hoje 95% das TEDs acontecem geralmente em até 5 minutos, apesar de o prazo estabelecido na regulação ser de até 30 minutos”, afirma Vilain.
Passo a passo
“O pontapé inicial foi dado; agora é como se estivéssemos construindo uma casa”, diz Leandro Vilain, da FEBRABAN. Ele detalha a analogia entre o sistema brasileiro de pagamento e uma obra: “primeiro você contrata o arquiteto, faz a planta; e, em seguida, inicia a obra, erguendo o primeiro andar, o segundo, a garagem, a piscina”, explica. “A obra acabada ou o sistema de pagamento instantâneo, como um todo, deve funcionar plenamente em até dois anos, como quer o BC; mas é possível ter algo pronto ainda em 2020, assim como na construção de uma casa: ter um andar para morar ou a garagem finalizada”, compara. “Tudo depende da evolução do trabalho das equipes formadas.”
Os requisitos gerais para o funcionamento do sistema de pagamento instantâneo brasileiro foram divulgados em dezembro pelo Banco Central, por meio do comunicado nº 32.927. Em março deste ano, as áreas de Política Monetária e Administração do Banco Central criaram o Fórum Executivo Permanente para assuntos relacionados a pagamentos instantâneos.
O fórum tem representantes de prestadores de serviços de meios de pagamento e de serviços de conectividade, usuários finais, associações do setor financeiro e do órgão regulador. Ele vai permitir a construção de um modelo aberto, unificado e interoperável – ou seja, que permite a comunicação entre diversos sistemas – para pagamentos instantâneos. Esse sistema nacional será gerenciado pelo Bacen e vai permitir, de forma transparente, que usuários de quaisquer serviços e instituições possam enviar valores, uns para os outros.
A cada 45 dias, os grupos técnicos devem se reunir em São Paulo ou Brasília, e as decisões serão levadas para um comitê consultivo, criado para subsidiar o BC na definição de regras para os pagamentos instantâneos, segundo informou o próprio órgão regulador.
Como funcionará
Os pagamentos instantâneos poderão ser utilizados para transferências entre pessoas (transações P2P, person to person) ou entre pessoas e estabelecimentos comerciais (P2B, person to business), seja no ponto de venda, no comércio eletrônico ou no pagamento de uma conta (boleto, crediário). O dinheiro também poderá ser transferido entre empresas e pessoas físicas (B2P, business to person), como no caso da indenização de uma seguradora a um consumidor; ou ainda entre empresas (B2B, business to business), no pagamento de fornecedores, por exemplo. Os grupos técnicos avaliam a viabilidade de uso de tecnologias mais eficientes para o envio de recursos, com o uso de QR Code na identificação do destinatário, por exemplo.
O BC prevê que esse sistema esteja apto a operar de forma completa a partir do primeiro semestre de 2021.
No sistema nacional de pagamento instantâneo, a transferência de recursos será feita pelo celular, por meio de um aplicativo de um prestador de serviço de pagamento (PSP). Esse prestador será escolhido pelo consumidor e pode ser um banco ou uma instituição de meio de pagamentos, como consta nos requisitos do BC divulgados em dezembro.
O sistema deve funcionar de forma aberta e permitir pagamentos que envolvam clientes de diferentes instituições financeiras e de pagamento. Hoje, algumas soluções tecnológicas já permitem a transferência instantânea, mas as duas partes precisam ter conta na mesma instituição.
“Reconhecidamente, pagamentos eletrônicos são mais eficientes que pagamentos baseados em papel, como o dinheiro em espécie, por exemplo, devido ao seu menor custo social”, informou o Banco Central em nota. “O custo de produção, de distribuição, de logística, de armazenamento e de segurança do dinheiro em espécie é bastante elevado”, explica.
Como fazer
O custo do envio instantâneo será determinado por cada instituição e deve depender do perfil de seus clientes, a exemplo do que já ocorre hoje com os serviços oferecidos pelos bancos.
Para acessar o sistema, uma das ideias é que o usuário escolha um login, no mobile ou internet banking, como se fosse um apelido, para cadastrar uma única conta para receber e mandar dinheiro de forma instantânea – algo semelhante a um perfil de redes sociais, como Instagram ou Twitter, por exemplo.
Uma alternativa em estudo é o uso do número de celular de cada pessoa para o cadastro neste sistema (no lugar do login ou apelido); mas um desafio é a troca constante de números de celulares entre os brasileiros. “Essa estrutura terá de ter uma inteligência para que aquele apelido ou número ou login esteja ligado a um único usuário ou uma única conta de destino dos recursos”, diz Leandro Vilain.
Medidas como essa, destaca o executivo, reforçam a segurança e impedem o uso do pagamento instantâneo para irregularidades como evasão fiscal ou lavagem de dinheiro.
O Banco Central informou que estudou detalhadamente os modelos de negócio de soluções de pagamento instantâneo já implementados ou em fase de desenvolvimento em diversos países e regiões, como EUA, México, União Europeia, Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Itália, Cingapura, Índia, China e Austrália. “Pontos positivos e negativos de cada experiência foram identificados, bem como lições aprendidas por essas experiências”, diz a autoridade monetária.
Os estudos ajudaram na definição do arcabouço geral do ecossistema brasileiro, embora o sistema não tenha tido como referência nenhum modelo específico. “Cada experiência tem suas próprias características e idiossincrasias que não se prestam a ser transportadas ou copiadas para outras jurisdições”, destaca o órgão regulador.
No Brasil, um estudo da Accenture mostrou que a transferência instantânea de valores (entre pessoas, entre pessoas e estabelecimentos ou entre estabelecimentos) tem potencial para movimentar R$ 48 bilhões e alcançar 3,3 bilhões de transações ao ano.
“É uma evolução sob o ponto de vista de pagamentos e que tende a facilitar a vida das pessoas e estabelecimentos, equiparando o Brasil a níveis internacionais como EUA e Europa”, diz Edlayne Altheman Burr, diretora-executiva e líder de Estratégia para Pagamentos da Accenture na América Latina. “Aguardamos os próximos passos do Banco Central para avaliar o real impacto”, completa.