“É no mínimo estranho um mundo onde as pessoas não se percebem, se comunicam e até se mostram mais alegres e afetuosas no mundo virtual. Também é muito estranho saber que muitas pessoas se mostram mais educadas e graciosas por simples oportunismo e representação, para se mostrarem bem em determinados ambientes e situações, quando na verdade não são…” João Nunes da Silva
João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT Campus de Arraias. Trabalha como projeto em cinema e educação
A realidade é um fenômeno complexo uma vez que nem todos percebem e sentem as coisas do mesmo jeito. A realidade é sentida e percebida de modo diferente por cada indivíduo e nisso está a beleza da diversidade. Na verdade ela existe individualmente, embora exista a coletividade ou sociedade.
Tudo o que vemos e sentimos resulta numa realidade para cada indivíduo de forma subjetiva que se concretiza nas ações cotidianas e nas atitudes mais comezinhas que fazem a vida ser o que é para cada um.
Isso mesmo, mesmo: realidade está mais para a subjetividade do que para a objetividade. Por isso que as pessoas preferem hoje a virtualidade como uma realidade do que ver e sentir a dureza do cotidiano num mundo em constantes conflitos, cobranças, controles e exigências.
Tenho observado atentamente como as redes sociais, especialmente Facebook e instagram se tornaram verdadeiros espaços onde se mostram muitos mais os desejos de vidas cujas realidades dos indivíduos geralmente estão muito distantes de serem o que aparentam.
Nas redes sociais e na própria vida há performances de todos os tipos, uma verdadeira felicidade eterna como numa propaganda de margarina ou de banco, onde as pessoas parecem estar em verdadeiros paraísos, quando na prática a teoria é outra.
É normal até trocar a tristeza pela felicidade, mesmo que essa se mostre em imagens e poses num fragmento de um momento fotografado. O ser humano hoje no mundo pós-moderno está mais presente na virtualidade do que no que chamamos de mundo real.
O sociólogo Zigmunt Bauman conta que estava certa vez num aeroporto e ouviu numa das conversas dos passageiros uma mulher que dizia para a colega: seu filho é lindo! Ao que ela respondeu: você precisa ver nas fotos dele como ele é mais lindo. A resposta demonstra como a imagem se torna, para muitos, mais real do que a própria realidade.
Não por acaso muitas pessoas preferem nos ensaios fotográficos o foto shop em vez da naturalidade e em geral não se percebem a si mesmas, sua beleza e originalidade.
É no mínimo estranho um mundo onde as pessoas não se percebem, se comunicam e até se mostram mais alegres e afetuosas no mundo virtual. Também é muito estranho saber que muitas pessoas se mostram mais educadas e graciosas por simples oportunismo e representação, para se mostrarem bem em determinados ambientes e situações, quando na verdade não são; é como o motorista que usa o cinto de segurança apenas numa blitz para não ser multado e não para se proteger. Nesse caso a realidade é mais a representação do que o que o momento que se apresenta.
Mas essa é a complexidade da realidade do mundo que vivemos no qual há pessoas que são ótimas conselheiras e analistas quando na prática sua vida cotidiana não condiz com os seus conselhos e com o que demonstram; mas talvez seja nisso que tais pessoas se encontram quando conseguem ser ouvidas e acreditadas, coisa que desejaria ardentemente que acontecesse no cotidiano do seu lar, no ambiente de trabalho ou na vida a dois.
Há pessoas que procuram e até exigem das outras muitas coisas, mas são incapazes de fazer o que esperam; por exemplo, esperam bondade, justiça e gratidão quando estão longe de apresentarem o mínimo sequer de tudo o que esperam. E o pior é que não se dão conta dessa contradição; acho até que caso isso aconteça um dia não terão estrutura para aceitar tamanha realidade.
Várias pessoas não suportam o espelho da vida que mostra claramente suas limitações, seus problemas e desafios; assim, preferem focar na vida dos outros e exigir dos outros o que não é capaz de fazer; mas, evidentemente que também há pessoas que sabem olhar pra vida e tirar dela o que há de melhor e que aprendem com seus próprios erros. Isso se chama maturidade.
Há pessoas que vivem toda uma vida procurando um “amor” como se fosse uma performance eterna, pois vivem num mundo de representação; imaginam de tudo para se sentirem felizes, mas se mostram incapazes de perceber a vida ao seu redor e até quem ama de verdade, se assim podemos falar.
Na realidade do amor e do sexo muitas vezes se prioriza a fantasia sem se dá conta do dia seguinte e, depois do prazer, vem o vazio de si mesmo que se mostra insuportável, um cotidiano de traumas e aflições, de medos e de fugas.
![João-Nunes-1-1 Sobre a realidade real e virtual João-Nunes-1-1 Sobre a realidade real e virtual](http://www.atitudeto.com.br/wp-content/uploads/2016/09/João-Nunes-1-1.jpg)
Na liquidez do amor, na sociedade pós-moderna, o sexo é água que não mata a sede; essa é a realidade da eterna solidão dos indivíduos solitários em meio à multidão de moribundos numa grande cidade.
É preciso refletir sobre o mundo em que você está; mas reflita com leveza, com coragem e dedicação para reconhecer seus erros e acertos e perceber suas limitações para enfrentar os desafios que se mostram inexoráveis. Assim você se torna uma pessoa cada vez melhor que sorrir da dor e do próprio sofrimento causado ainda pela imaturidade.
Ao saber disso você sorrir e encara a vida com determinação, mesmo que esta seja dura (e que graça tem se não fosse?), mas o que importa é que você está inteiro e pronto para enfrentar a labuta diária.