João Nunes da Silva *
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche demonstrou em seus aforismos todo o seu desencantamento em relação à humanidade. Há quem diga que se Deus cometeu algum erro, sem dúvida, foi o de ter criado o ser humano; não vou nem me referir ao homem como macho, pois, esse há tempos que não vale muita coisa; e digo mais, que a humanidade é cada vez pior quando a noção de humano se restringe ao homem. Mas explico porque comecei esse texto com essa historia toda.
A motivação para escrever esse artigo está na imagem que não sai da minha cabeça desde o primeiro momento que a vi; falo da imagem de uma cinegrafista húngara que agrediu um refugiado que fugia da perseguição policial, enquanto carregava seu filho pequeno. Além de derrubar o homem refugiado com sua criança, a mesma cinegrafista também é flagrada chutando outras duas pessoas num campo de acolhimento de refugiados.
A cena é chocante e dói muito para quem tem sensibilidade; sim, porque nesse mundo essa é uma coisa muito rara: sensibilidade. Mas choca principalmente porque não se trata de uma simples agressão, nem muito menos de uma coisa isolada; se trata da agressão a humanidade, principalmente aquela que já não tem praticamente nada, a não ser a luta pela vida, como fazem os refugiados.
Machuca a todos como humanos que somos; sim, machuca a humanidade e a envergonha; dá vergonha saber do que somos capazes; como se não bastassem as guerras, as violações diversas aos direitos humanos, as torturas e assassinatos de diferentes pessoas, diferentes etnias.
A agressão que viralizou em poucos minutos nas redes sociais, nos telejornais e nas mídias diversas, deveria servir de lição para a humanidade; mas infelizmente, já se tornou lugar comum; assim como foi a imagem daquela criança síria encontrada morta há poucos dias numa praia. Essa já virou passado enquanto os humanos seguem sua sina.
Enquanto isso continuamos nossos dias como se nada tivesse acontecido. Casos como os da agressão da cinegrafista húngara aos refugiados e a imagem do menino sírio encontrado afogado, assim como a imagem de centenas de imigrantes em busca de alento, perdidos no mar e nos recantos diversos, parece que já não faz sentido, não toca, não interessa mais.
Fico pensando o que passa pela cabeça de pessoas como a cinegrafista húngara; se é pensa alguma coisa. Assim como não pensam os que impõem a maioria da população uma condição de vida miserável; depois aparecem com o discurso de que o mundo é para todos e que só não se dá bem quem não quer, uma vez que o trabalho e a riqueza são para todos; será mesmo?
Quem faz as regras nesse mundo? Quem manda? Dizem que manda quem pode e obedece quem tem juízo; essa é a lógica do sistema criado pelos humanos; é ideologia pura. Criaram um mundo onde poucos têm vez, onde a lógica é aquela do darwinismo social. A ideologia do salve-se quem puder. E ainda inventaram a ciência para justificar barbaridades, como foi o caso do evolucionismo na Antropologia.
Só para refrescar a memória: a Europa assaltou o mundo, invadiu territórios, matou milhares de nativos, tornou cativo quem sobreviveu. Os humanos criaram um sistema que vilipendiou a dignidade, onde o dinheiro é maior que o ser, onde o que interessa é o prazer pelo poder. Aos poucos o planeta pede socorro por causa da ação devastadora da humanidade. A fome foi naturalizada e a educação foi mercantilizada.
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Somos tão perfeitos como humanos que estamos destruindo nosso próprio habitat e vemos os outros, nossos pares, como inimigos, até mesmo quando temos uma cor, um jeito ou opinião diferente. É, mas ainda há quem diga que somos a imagem e a semelhança de Deus; pobre Deus, um Deus morto pelos humanos. Apenas a ganância impera. Pobre e errante humanidade. Pobre humano; quisera fossemos simples animais; somos apenas demasiadamente humanos, como afirmara o sensível filósofo.
* João Nunes da Silva é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, mestre em Sociologia e professor da UFT- Campus de Arraias.