“Após os formandos e padrinhos organizarem-se em fila para o início da cerimônia de colação de grau, quando uma agitação chama atenção de alguns alunos e pais presentes. A oradora da turma, Ingrid de Carvalho Lavor, foi convocada pelo cerimonial para uma conversa. Após alguns minutos a jovem retorna a fila revoltada. Devido à presença da magnífica reitora na cerimônia a jovem deveria cortar todo o último parágrafo de seu discurso….ou seja, estava censurado”. João Nunes da Silva
João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT, Campus de Arraias-Tocantins. Trabalha com projetos em cinema e educação.
“Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.”
Belchior
No dia 22 de março tive a oportunidade de participar da colação de grau da minha filha, da turma de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), 2016.2; turma essa que recebeu o nome Emilly Mel Fernandes de Souza em homenagem a uma mulher trans que cresceu junto com todos o estudantes durante o curso.
O nome da turma é uma homenagem sincera de todos os recém-formado sem Psicologia da UFRN, os quais aprenderam junto com a Emilly Mel a viver e a respeitaras diferenças. A noite estava tranquila e todos estavam muitos felizes em compartilhar a formatura de uma turma aguerrida.
Os corredores do Hotel Praiamar, em Ponta Negra, Natal – RN, na noite da formatura exalava um perfume suave, explodiam risos de felicidades e nos rostos dos formandos e familiares brilhavam uma felicidade imensa.
Após os formandos e padrinhos organizarem-se em fila para o início da cerimônia de colação de grau, quando uma agitação chama atenção de alguns alunos e pais presentes. A oradora da turma, Ingrid de Carvalho Lavor, foi convocada pelo cerimonial para uma conversa. Após alguns minutos a jovem retorna a fila revoltada. Devido à presença da magnífica reitora na cerimônia a jovem deveria cortar todo o último parágrafo de seu discurso….ou seja, estava censurado.
A censura estabelecida deixou todos ali presentes, formandos, pais e visitantes, indignados. Logo veio a tona a realidade de estado de exceção que estamos vivendo no país.
Com a censura a jovem oradora da turma não se conteve e caiu em lágrimas, deixando evidente sua indignação e seu protesto que também era de todos ali presentes.
A parte censurada criticava as medidas impopulares do governo Temer, que chegou ao poder por meio de manobras judiciais e com o apoio da grande mídia para derrubar uma presidente eleita legitimamente. Sim, a principal frase era um Fora Temer que seria proferida pela oradora com muita ênfase ao final do discurso.
A reitora da UFRN, naquela noite, que se fez presente apenas por causa da homenageada da turma, Emilly Mel, a primeira trans a ser formada naquela Universidade, ameaçou suspender a formatura da turma caso a oradora insistisse em falar a parte censurada; a ameaça foi veementemente repetida pela chefe de cerimonia daquele dia.
Para a oradora Ingrid Lavor, que chorou indignada, assim como ficou indignada toda a turma: “O choro veio como a expressão desesperada de quem se percebia calada. Amordaçada. E foi amarga a sensação! Como foi amarga! Mais uma vez a história se repetia…e a periferia estava sendo calada por pessoas de poder”.
Ingrid naquela formatura era a voz dos que têm sido calados por tanto tempo; uma jovem da periferia, como poucos ali estavam, se mostrava agora numa ameaça ao poder estabelecido. Naquele momento a repressão mostrou suas garras, o estado de exceção se fez valer com medo que a senzala mostrasse sua voz e ameaçasse o poder da Casa-Grande.
Como foi dito e escrito em algumas camisas por aí a fora, “ a Casa Grande vai a loucura quando a senzala aprende a ler”.
A censura, por mínima que possa parecer, representa sim o medo dos poderosos de que a maioria assuma as rédeas da sua história. Significa que ainda vivemos tempos duros, difíceis, pois, “os donos do poder” se mantêm ainda pela força e pela repressão e usam de todos os mecanismos e manobras institucionais para mostrar do que são capazes caso a classe dominada tente mostrar a sua cara.
Mas na noite de 22 de março, da formatura da turma 2016.2 de Psicologia da UFRN, a voz não se deixou calar e o discurso que teve parte censurada foi ouvido por todos os que ali estiveram presentes.
A censura, por menor que possa parecer, representa sempre o medo dos que usurpam e que se põem no poder de forma ilegítima e injusta.
Quando há alguma censura, é porque o seu conteúdo denuncia uma realidade que não pode ser calada.
Viva a turma Emilly Mel, viva a todos que fazem parte dessa grande história.