Ricardo Gondim
A vida não cessa de surpreender. O tempo não segue linear; ele dá guinadas, escorre aos solavancos. Vendavais jogam a existência contra rochedos. Os imprevistos veem como ondas bravias. Muitas vezes nos vemos empurrados para lugares que nunca desejamos. Angustiados, somos tangidos por decisões alheias. Inaptos e receosos, notamos a história se desenrolar como um folhetim qualquer. O que fazer?
Não encontramos meios de controlar, subjugar ou impor nossa vontade.
Sentimos a vida nos esbofetear. Mal sabemos como preservar nossa biografia. Somos vulneráveis. Gente inclemente nos fere. Somos arremessados sobre lajeados frios. Nosso sono vem irrequieto. Temos medo da noite; sonhamos que rapinas vorazes, de fisgada em fisgada, podem nos roubar a simples vontade de viver.
Alguns tentam minar nossa autoestima. Outros nos lembram que não nos tornamos o que projetamos para nós mesmos. Recordam sem parar que prometemos não perpetuar os vícios que vimos em nossos pais, e que acabamos mordendo a língua.
O viço de viver se esvai em meio à banalidade do mal. Ver fica dolorido. Diante do barateamento da vida, corremos o risco de nos embrutecer. Lemos, aprendemos, amamos e nos emocionamos, mas vemos a foice da injustiça ceifar crianças. O tique-taque da história não acompanha o cronômetro da nossa esperança.
Alguns avisam que temos que nos portar como chacais em matilhas, destruindo-nos mutuamente. Há escolas que exigem nossa conformação; somos ensinados a não relutar. Elas dizem que azedamos caso não aceitemos a universalização do horror. Propõem que é preferível resignar-se a ganhar uma úlcera. Será? O revoltado esmurra mesmo ponta de faca?
O mundo caminha para o pior? Se a vida jaz nas trevas, o coisa-ruim reina; e se o mal tudo domina, estamos à deriva.
Viver cansa. Resta, porém, lembrar que os frágeis enfrentam um dia de cada vez. Todos os que se enxergam vigorosos se condenam ao enfado dos titãs. Onipotência não nos pertence. O Nazareno prometeu que os humildes são bem aventurados, e que deles é o reino eterno. Sigamos, portanto, assim, precários e frágeis.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: ricardogondin2@gmail.