“Na madureza, anelo respirar o divino na sensibilidade do poeta, na compaixão do solidário, na impertinência do justo. Os minutos são poucos para quem tem sede de saborear a beleza. Perto de gente simples desejo lavar, com as minhas lágrimas, o sofrimento que me rodeia”.
Ricardo Gondim
Quisera poder fatiar os pensamentos. Eu os desdobraria em porções compreensíveis. Quem sabe explicaria o emaranhado de ideias que me assombram; e que nem eu próprio decifro. O fluxo de minhas reflexões não para – meu novelo de perplexidade. Continuo inquieto diante da vida como uma criança na véspera do aniversário. Navego no rio do tempo, enquanto resisto ao seu fluir.
Com a idade, dou-me ao luxo de não precisar me mostrar sempre lúcido. Almejo tão somente alcançar a bem-aventurança de ser bondoso. Estou cansado das ideias exatas. Eu as respirei por anos. Elas prometeram galardoar com a verdade derradeira, mas foram desalmadas. Envelheço. Sei que sequer arranho a superfície da sabedoria.
Não tenho mais estômago para tentar costurar a ideia de Deus com discriminação, racismo, misoginia, ganância, individualismo. Gastei tempo demais com pessoas simpáticas ao ódio. Prescindo delas. Não quero aprender nada de quem desrespeito.
Na madureza, anelo respirar o divino na sensibilidade do poeta, na compaixão do solidário, na impertinência do justo. Os minutos são poucos para quem tem sede de saborear a beleza. Perto de gente simples desejo lavar, com as minhas lágrimas, o sofrimento que me rodeia. Anelo transformar as palavras em refúgio. Anseio me tornar uma hospedaria para o estrangeiro.
Quisera descobrir o segredo de transformar as dores em ânimo. Eu ajudaria o fadigado. Vez por outra desço até os porões pouco iluminados da alma em busca da minha fragilidade. Revisito tropeços. Vou lá onde não brilham as falsas luzes do sucesso, sei da minha condição de quebradiço. Minhas cinzas podem adubar novos projetos e ajudar quem precisa a ressuscitar como Fênix.
Reluto para não permitir que o cinismo destrua os meus sonhos. Chegou o tempo não de novas conquistas, ou de mais conhecimento, mas de pensar no legado que vou deixar. Breve voltarei ao pó. Sigo o caminho dos mortais. Teimo, entretanto, em desejar outro mundo para a próxima geração.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: [email protected]