“Ademais, em pleno século 21, ainda nos deparamos com famílias utilizando lamparinas em suas residências, remanescendo-nos ao período obscurantista, já que sequer possuem acesso à energia elétrica, tendo em vista que o Programa de Universalização do acesso a este serviço público” Jorgam de Oliveira Soares.
Na última semana, percorri a trabalho uma das regiões mais exuberantes do nosso Estado do Tocantins e quiçá do Brasil, a saber, o Jalapão. Essa incursão por aquele oásis me levou mais uma vez a uma reflexão sobre os contrastes entre o Jalapão perfeito que os veículos de comunicação divulgam e o mundo ver, com tantos atrativos, dentre eles, Cachoeiras da Velha e Formiga, Dunas, Fervedouro e Corredeira do Rio Novo etc, e o existente na realidade, em decorrência das inúmeras mazelas sociais que afligem aquele povo tão acolhedor e esperançoso, que mesmo diante do abandono estatal, ainda assim, conseguem-nos proporcionar afago e alegria, sendo uma prova inconteste que diante das adversidades, buscam dar mostras da felicidade, por eles utilizada como um antídoto para não se contaminarem com a desesperança governamental.
As agruras daquele povo já começam pelo deslocamento até Palmas-TO, pois as rodovias estaduais que dão acesso aos Municípios de São Félix do Tocantins e Mateiros estão em situação de intrafegabilidade, diante das inúmeras crateras, trepidação, ausência de pontes e bueiros em alguns trechos, revelando-se, na prática, verdadeiras armadilhas, pois, não são submetidas a operações de conservação rotineira, além de encontrarem-se totalmente desprovidas de dispositivos de sinalização vertical.
Diante desta situação, já podemos ter a primeira grave constatação, o Jalapão está literalmente abandonado pelo Poder Público no que concerne a acesso rodoviário. Nesse aspecto, cabe a seguinte indagação, será que diante da precariedade das rodovias, um paciente, que reside no Município de Mateiros-TO, onde sequer possui hospital, distante 329 KM da Sede da Capital, destes 223 de estrada em condições de trafegabilidade precárias, acometido de um acidente vascular cerebral – AVC e/ou ataque cardíaco, ao ser removido para Palmas chegará com vida ao HGP? Inegavelmente que não, salvo, se for uma providência divina ou a sua remoção realizada mediante resgate aéreo.
Se não bastasse isso, outra faceta negra que as lentes das câmeras não mostram ao Brasil e ao mundo é que grande parte das comunidades existentes nesse santuário ecológico, com especial ênfase para aquelas declaradas Quilombolas sequer possuem acesso às políticas públicas de saneamento básico. A exemplo, registramos a Comunidade Mumbuca, situada no Município de Mateiros, precursora do famoso Capim Dourado, produzindo peças artesanais que abrilhantam e adornam o mundo inteiro, ainda tem q conviver com ausência de agua tratada e banheiros, algo inacreditável e inaceitável para a atual conjuntura, enquadrando-se em típica situação daqueles países paupérrimos, violadores dos direitos humanos.
E aqui, como sempre, em se tratando de Poder Público, não faltaria oportunidade para consignar que parte deste descaso tem a ver com a malversação de recursos públicos, pois, as verbas foram destinadas pela FUNASA a mais de 4 anos para construção dos módulos sanitários naquela comunidade e até hoje sequer foram concluídos, propiciando o surgimentos de verminoses e contaminação do lençol freático.
Ademais, em pleno século 21, ainda nos deparamos com famílias utilizando lamparinas em suas residências, remanescendo-nos ao período obscurantista, já que sequer possuem acesso à energia elétrica, tendo em vista que o Programa de Universalização do acesso a este serviço público, considerado essencial, denominado “Luz Para Todos”, encontra-se paralisado em decorrência da ausência de contrapartida financeira da Concessionária de Energia Elétrica do Tocantins.
Outro ponto invisível refere-se aos índices alarmantes de analfabetismo e hanseníase, provocados pela falta de ações efetivas pelo Poder Público buscando superar essa incompreensível situação, que apenas se fortaleceu diante da grave omissão estatal em nítida afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Ao fazermos as nossas considerações finais, consignamos que mesmo diante deste contraste e longo descompasso entre o Jalapão real e o cinematográfico ele vai continuar sendo exuberante. Todavia, não podemos nos curvar frente às mazelas existente naquele paraíso turístico. Do contrário, temos é que concitarmos as autoridades a conjugarem esforços objetivando recuperar a autoestima daquele povo tão sofrido e esquecido, mediante a realização de políticas públicas que transformem essa grave realidade social permitindo que, embora haja exploração do potencial turístico, possa haver conversão dos dividendos obtidos pelo ecoturismo em benefícios das comunidades impactadas, proporcionando que os sonhos das pessoas que residem no Jalapão sejam convertidos em realidade e que haja uma correlação de forças entre a vida real e a virtual.
Jorgam de Oliveira Soares. É graduado em Direito e Serventuário da Defensoria Pública do Estado do Tocantins.