Uma manifestação convocada por sindicatos e forças de esquerda e pró-curdas em Ancara, em protesto contra o conflito do exército e da guerrilha do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), foi alvo de um duplo atentado que foi o mais mortífero de sempre na Turquia: pelo menos 95 pessoas morreram e 246 ficaram feridas. Destas, 48 estão nos cuidados intensivos, dizia o balanço feito no sábado à noite pelo gabinete do primeiro-ministro turco.
Julga-se que estariam 14 mil pessoas no local naquele momento, diz a agência noticiosa turca Anadolu. As explosões deram-se junto às saídas laterais de uma estação de comboios, onde simpatizantes do HDP, o Partido Democrático do Povo, pró-curdo, estavam a organizar-se para a marcha. Um candidato a deputado do HDP por Istambul foi morto no atentado.
Depois de as bombas rebentarem, a polícia turca disparou para o ar, para obrigar os manifestantes a dispersar, e distribuiu bastonadas relata o site em inglês do jornal turco Hürriyet. Há pelo menos um vídeo a correr na Internet em que a polícia usa os cassetetes longos e os escudos para bloquear a passagem de ambulâncias que chegam para socorrer os manifestantes feridos – até serem desarmados por civis, que lhes batem com os bastões para os afastarem. Os manifestantes gritavam-lhes “polícias assassinos”, relata a AFP.
A agência noticiosa DHA divulgou um vídeo com o momento das explosões e também as primeiras imagens captadas após os rebentamentos.
“Foi um ataque bárbaro. Estamos confrontados com um Estado assassino que se transformou numa máfia”, acusou um dos líderes do HDP, Selahattin Demirtas, citado pela AFP. Isto porque este partido tem sido alvo de uma série de ataques violentos nos últimos tempos, que dizem ser uma “campanha de linchamento” orquestrada pelo partido Presidente Recep Erdogan, do AKP.
Manifestações de grupos nacionalistas com bandeiras do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), que atacam sedes do HDP, jornais como oHürriyet e políticos pró-curdos, têm-se juntado à perseguição policial e detenção de figuras da esquerda turca, sob cobertura do lançamento da guerra contra “todos os terrorismos”, em que o grupo jihadista Estado Islâmico é colocado no mesmo saco que o separatistas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e dos grupos de extrema-esquerda.
Os rebentamentos em Ancara ocorrem três semanas antes das eleições antecipadas para o Parlamento turco, convocadas pelo Presidente – porque com os resultados das legislativas de Junho, o seu partido, o AKP, não conseguiu formar nenhum governo de coligação.
Foi a entrada do HDP no Parlamento nas eleições de Junho que fez com que o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) de Erdogan não tivesse os votos suficientes para formar governo sozinho e para aprovar a nova Constituição, que transformaria a Turquia num regime presidencialista. O AKP e Erdogan procuram capitalizar o ambiente de confusão após as eleições de Junho, abandonando as negociações de paz com os curdos para voltar a mostrar o peso da espada otomana, esperando reconquistar votos dessa forma, num momento em que a guerra na Síria espreita nas fronteiras.
Foi retomada a guerra civil entre Ancara e os separatistas curdos: o Exército recomeçou a bombardear posições do PKK na sua ofensiva “sem distinção”. Uma decisão que acabou com a trégua com o PKK que vigorava há dois anos e está a reacender um conflito que, ao longo de três décadas, matou cerca de 40 mil pessoas.
Em busca de culpados
“Conhecemos os assassinos. São aqueles que desencadearam a guerra para obter 400 deputados”, e assim a maioria, acusaram os organizadores da manifestação numa conferência de imprensa, citados por Guillaume Perrier, correspondente do Le Monde na Turquia. As sondagens dão entre 38% a 40% dos votos a 1 de Novembro para o AKP, contra os 41% que obteve a 7 de Junho, diz ainda o jornal francês. Há uma clara estratégia eleitoral de associar o HDP aos “terroristas do PKK”.
Recep Tayyip Erdogan condenou “o ataque odioso contra a unidade e a paz do país”, num comunicado colocado no site da presidência. O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, decretou três dias de luto nacional, afirmando que este atentado é um ataque contra a democracia turca.
Erdogan afirmou não existir qualquer distinção entre o ataque terrorista de Ancara e aqueles que têm tido por alvo a polícia ou o exército turcos e são atribuídos ao PKK. Mais de 150 agentes ou soldados turcos foram mortos desde o fim do Verão por atentados atribuídos ao PKK e as autoridades dizem ter “eliminado” mais de dois mil membros deste grupo separatistas nas suas operações. O Presidente garantiu que os responsáveis pelo atentado serão encontrados o mais breve possível e entregues à justiça.
Governo turco suspeita do Estado Islâmico
Luto, revolta e dor estavam nas vozes, nos rostos, nos gestos dos milhares de pessoas que se juntaram este domingo nas ruas de Ancara, a entoar frases anti-Governo perto do local onde duas explosões mataram no sábado pelo menos 95 pessoas – mas devem ter sido pelo menos 128, segundo os números avançados pelo HDP, o Partido Democrático do Povo, pró-curdo, cujos militantes foram o principal alvo do atentado.
“Chefe e assassino Erdogan”, “morte ao fascismo”, gritavam os manifestantes, fazendo-se eco das acusações sobre a autoria do atentado a que Selahattin Demirtas, líder do HDP, dava voz. “Estamos de luto, estamos tristes, mas também estamos furiosos”, declarou, perante a manifestação na praça Sihhiye, no centro da capital turca.
O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, enumera como suspeitos o Partido/Frente Revolucionária de Libertação do Povo (DHKP-C), um grupo de extrema-esquerda que cometeu muitos ataques na Turquia desde a década de 1970 e, sobretudo, o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) – apontado como suspeito do atentado em Suruç, a 20 de Julho, que matou 32 jovens activistas curdos que se preparavam para partir para ajudar a reconstruir Kobani, a cidade no Curdistão sírio que tinha sido reconquistada ao EI. Embora nunca tenha sido reivindicado, são atribuídas as culpas a esse grupo.
Após o atentado, o país, em choque, procura os culpados. Foi “uma bomba nos nossos corações”, dizia a primeira página do diário Hürriyet, expressando o sentimento popular. “Em cólera profunda, as pessoas esperam para saber quem esteve por trás deste ataque”, escreve o jornal.
Mas ninguém reivindicou o ataque, sendo que um dos prováveis bombistas suicidas foi identificado como um homem entre os 25 e os 30 anos, de acordo com uma análise dos corpos no local e das impressões digitais obtidas, segundo o jornal Yeni Safak, pró-Governo. (Informações de CLARA BARATA, do Portal Publico.pt)