“Talvez isso seja verdade, mas no “falar demais” dele havia toda uma memória da história de muitos que contribuíram para Gurupi ser o que é hoje. Presente em praticamente todos os eventos importantes dessa cidade, o Ney sempre resgatava o papel fundamental de cada um, sem ciúme, sem inveja, sem vaidade – com uma alegria e discursos que eram tão seus, mandava: – tira uma foto com essa aqui, – tem uma pessoa ali que você precisa conhecer.” Maria Bethânia.
por Maria Bethânia
Fui tentar resgatar na minha memória o momento em que ele passou a fazer parte das nossas vidas e não encontrei. A impressão que tinha era a de que ele sempre havia estado conosco. E não estava errada não, a minha amizade com ele começou antes de eu nascer.
Conversando com minha mãe descobri que ele havia sido aluno dos meus pais (não só ele como algumas de suas irmãs), no bom e velho Colégio Estadual no qual meu pai foi diretor e minha mãe professora de Ciências e de outras disciplinas do Normal. Eu nem sequer havia nascido, mas o Ney já estava nas nossas vidas. Ali nascia uma amizade que duraria uma vida inteira. Você tem um amigo assim?
Nesse dia tão difícil – fui me lembrando da presença desse amigo querido nas nossas vidas. Mesmo morando em Goiânia já há tanto tempo, o Ney nunca esteve distante, estava sempre presente, seja num telegrama enviado para dar os parabéns por ter concluído o curso de graduação, nos telefonemas diários para contar o que estava acontecendo em Gurupi, nas visitas que vez ou outra ele nos fazia sempre que vinha à Goiânia.
Dá para pensar em Gurupi sem pensar no Ney?
Acho que não… “Ele é doido” diriam alguns. “Ele fala demais” diriam outros.
Talvez isso seja verdade, mas no “falar demais” dele havia toda uma memória da história de muitos que contribuíram para Gurupi ser o que é hoje. Presente em praticamente todos os eventos importantes dessa cidade, o Ney sempre resgatava o papel fundamental de cada um, sem ciúme, sem inveja, sem vaidade – com uma alegria e discursos que eram tão seus, mandava: – “tira uma foto com essa aqui”, – “tem uma pessoa ali que você precisa conhecer”.
O Ney tinha o dom de exaltar, enaltecer, homenagear pessoas não permitindo que outros esquecessem a contribuição de um ou de outro para história de uma cidade que se desenvolvia. Lembrar as pessoas e seus feitos é coisa rara no mundo de hoje. A memória anda curta em muitos sentidos. Em tempos de internet e redes sociais tudo é esquecido rapidamente. A mesma rede que ajuda a difundir, também ajuda esquecer.. porém, a vida começa bem antes, mas parece que quem não tem um perfil no facebook nunca existiu, mas só parece!
Dá para pensar em Gurupi sem pensar no Ney?
Acho que não… “Ele é doido” diriam alguns. “Ele fala demais” diriam outros.
Se ser doido for contribuir para a construção de sonhos, desejar que uma cidade cresça e tenha uma Universidade, gostar dos amigos e conversar com eles diariamente – por favor, que sejamos doidos também.
Se for insano ser uma pessoa que foge daqueles padrões que enquadram as pessoas em grupos, muitas vezes cultivados pela hipocrisia, não me chamem para tomar parte neles, eu prefiro a autenticidade dos chamados por outros, anormais.
Eu não sei, meu amigo querido, em quantos velórios você esteve presente. Mas, sei que foram muitos. Lembro-me que quando meu padrinho Miguel faleceu – você me contou detalhes do trabalho que ele desenvolveu em Gurupi enquanto presidente da Câmara. Há, na minha memória, momentos difíceis como esse de hoje – porque você me contou. Também me lembro de você falar do falecimento do João Cruz – que muito abalou você.
Por ironia do destino não estaremos presentes na sua despedida. Estivemos com você dias atrás. Só não imaginávamos que aquele seria nosso último encontro. Quem sabe quando acontece o último encontro entre amigos? Amigos de verdade teriam um “último encontro”? Acho que não. Quem a gente ama caminha conosco de uma forma ou de outra. Se não fisicamente, no coração, na lembrança.
Não Ney, não dá para pensar em Gurupi sem pensar em você. Você está essencialmente ligado à história dessa cidade e dessa gente, associado indiretamente à vida de muitas pessoas que nem mesmo te conheceram.
Quem sonhou com o estado de Goiás dividido? Quem exaltou a capital do novo estado do Tocantins como você? Quem previa uma universidade em Gurupi anos atrás? Quem nos falaria sobre a Casa de Maria? E das missas do Pe Osman?
A política fazia parte da sua vida em uma perspectiva de avanço e melhoria para todos. Que sigam o seu exemplo.
A música também esteve presente, desde os antigos festivais lá no CRA, até o forró que você escutava, do velho Gonzagão aos Aviões do Forró. Músicas que você, muitas vezes, colocou no telefone para a gente ouvir.
E os carnavais? Haveria alguém mais entusiasta do que você? E aí, a gente lembra dos Metralhas, dos Pifados, do sanfoneiro, da disputa entre os blocos para ver quem ficava mais tempo “no ar”.
Obrigada Ney, por tudo! Obrigada pela conversa, pela risada gostosa, pelo abraço apertado.
Obrigada pela amizade cultivada com a minha família. Você já está fazendo falta; obrigada em nome de muitas pessoas que não te conheceram, mas que hoje desfrutam de uma cidade muito melhor porque foi construída da luta de muitos, inclusive da sua luta.
A “doutora” aqui hoje está bem triste, mas essa tristeza vai passar porque ela não combina com você. O seu legado foi ser alegria, foi ser Luz, vai em paz Ney Luz..
Vai em paz Ney Luz.
Maria Bethânia (Aline, Jarlen, Joana e Albenzio).
_Triiiiiimmmmmm.. ( toca o telefone)
_ Alô!
– Quem fala?
– É São Pedro.
– Oi, São Pedro – Eu queria falar com o Ney Luz – pode ser?
– Agora não, o Ney chegou ontem e foi encontrar com umas pessoas que ele não via há algum tempo. Hoje ele, empolgado como sempre, disse que ia procurar uns ex-prefeitos de Gurupi para saber o que eles andam fazendo desse lado de cá e contar para eles como a cidade cresceu. Só temos esse telefone aqui – que sou eu quem atendo. Quando ele voltar, digo que você ligou e deixou um abraço.
– Tá bom São Pedro! Obrigada. Mas, o sr nem perguntou meu nome?!
– Não precisa. Aqui tem bina, já sei quem está falando.