“Com uma estrutura dinâmica que se diferencia dos filmes clássicos, Crash:no limite favorece ao espectador uma profunda reflexão sobre a complexidade da vida moderna que tanto exige das pessoas o equilíbrio num mundo extremamente competitivo e individualista e racista”, João Nunes.
João Nunes da Silva
Doutor em comunicação e cultura contemporâneas, Mestre em Sociologia e professor da UFT Campus de Arraias. Trabalha como projeto em cinema e educação
Crash: no limite, é um filme estadunidense dirigido por Paul Haggis e lançado em 2004 que apresenta uma narrativa cuja estrutura permite ao espectador acompanhar a história de vários personagens em conflitos e tensões; os personagens de alguma forma se mostram conectados pelos conflitos em que se encontram; eles vivem numa cidade multicultural, Los Angeles, onde o racismo e a intolerância são lugares comuns.
Os dramas envolvem um veterano policial que num dia trabalho abusa de uma mulher em uma blitz noturna enquanto o seu pai em casa sofre com problemas renais e não é atendido quando procura pelo serviço de saúde; um comerciante árabe que sofre preconceito da sociedade e entra em desespero; um garoto negro do subúrbio que leva a vida em busca de aventuras como traficante de drogas e tem um irmão policial, mas que também é vítima de racismo; uma mulher rica e mimada que teve seu carro roubado vive com medo de tudo.
Com uma estrutura dinâmica que se diferencia dos filmes clássicos, Crash:no limite favorece ao espectador uma profunda reflexão sobre a complexidade da vida moderna que tanto exige das pessoas o equilíbrio num mundo extremamente competitivo e individualista e racista.
Na verdade esse filme é uma crítica contundente ao modo de vida que os humanos construíram, principalmente nas grandes cidades, onde o dinheiro, o status e o poder valem mais do que qualquer ser vivo.
Quando praticamente tudo passa a ser concebido a partir da perspectiva individualista e do consumo como se fosse a única forma de felicidade, mesmo que momentâneas as pessoas e as relações em geral se tornam cada vez mais difíceis, quando não traumáticas: o afeto, por exemplo, passa a ser apenas objeto de desejo e o outro se transforma numa simples máquina para a satisfação ou para a exploração.
Nesse mundo pós-moderno o ser humano se transformou em mais um item descartável, de modo que as relações afetivas se mostram cada vez mais em sua liquidez, como bem destacou o sociólogo Zigmunt Bauman.
O desrespeito ao outro e ao diferente é bem retratado no filme quando o imigrante é visto como um empecilho ou como um potencial criminoso. Nesse caso não há dialogo e não se mostra nenhuma perspectiva de tolerância e de humanismo quando tudo na cidade passa a ser visto como se estivéssemos todos num jogo mortal.
Numa sociedade onde o dinheiro e o poder estão acima de tudo, até mesmo de quem detém, a vida se torna medíocre, as pessoas se mostram cada dia mais insensíveis e presas em seus mundos, isoladas e apáticas diante do sofrimento de seus pares.
Nesse mundo o medo se torna uma realidade aterrorizante de modo que a criminalização do outro até mesmo porque pensa diferente passa a se materializar por meio do ódio estampado nas ações e práticas cotidianas.
Recomendo a todos esse filme, especialmente para refletirem sobre o racismo e a intolerância em nossa sociedade hoje.