por Redação
O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) fez um levantamento que revela que a taxa de 3,99% ao mês cobrada pela Caixa Econômica Federal na recém-lançada linha de microcrédito para trabalhadores informais está muito acima de juros cobrados pelo mesmo banco para empréstimo pessoal e outros tipos de financiamentos a pessoas físicas. O estudo foi realizado a pedido da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae) e mostra que em outras modalidades de crédito a estatal cobra taxas que variam de 0,99% até 2,9% ao mês.
É o caso, por exemplo, dos juros para crédito consignado (a partir de 0,99%), crédito pessoal não-consignado (1,8%), penhor (1,99%) e CDC (a partir de 2,77%). O levantamento do Dieese aponta também que, para clientes do banco, até os juros do cheque especial e para parcelamento de fatura do cartão de crédito (a partir de 2,9%) estão menores que a taxa de 3,99% cobrada de quem sequer tem renda formal.
“É uma extorsão, considerando que o público deste tipo de crédito é composto por informais, desempregados ou ex-beneficiários do auxílio emergencial”, destaca o presidente da Fenae, Sergio Takemoto. “São pessoas que estão tendo que fazer empréstimo para comer, para tentarem sobreviver, e, não, para investir. Ou seja: não se trata de microcrédito mas, sim, de endividamento”, reforça.
Takemoto destaca ainda que a parcela daqueles que buscam financiamento na tentativa de empreender, recorre ao crédito por necessidade e, não, por oportunidade. “Eles abrem seus pequenos negócios por estarem desempregados, por não enxergarem outra saída para a sobrevivência”, acrescenta o presidente da Fenae.
Analista do Dieese, a economista Mariel Lopes pontua que o limite para a linha de financiamento com juros mensais de 3,99% é limitado a R$ 1 mil — menor que o salário-mínimo [atualmente, R$ 1,1 mil]. Ela lembra, ainda, que o crédito é direcionado a usuários do Caixa TEM [aplicativo desenvolvido para o pagamento do auxílio emergencial] e que não tenham renda vinculada a outros benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Em outubro, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, classificou como “revolução” o lançamento desta linha de crédito. Segundo ele, a medida deve atrair 20 milhões de pessoas. “Esses brasileiros começaram a se inserir no setor financeiro e, se a gente for eficiente, podemos retê-los”, disse Guimarães, naquela ocasião.
Mariel Lopes, contudo, alerta: “São pessoas que já tinham renda baixa e tiveram a condição financeira piorada com a pandemia”. Conforme observa a economista, a Caixa, que tem uma vantagem competitiva [como operadora do Caixa TEM], está oferecendo juros mais elevados justamente para a parcela da população que menos tem condições de assumir dívidas.
“Democratizar o crédito seria oferecer financiamento a juros mais baixos e, não, o contrário; inclusive, por se tratar de um banco público executor de políticas públicas”, afirma Lopes. “No fim das contas, a Caixa está reproduzindo uma distorção de mercado: cobrando taxas mais elevadas justamente da população que tem maior dificuldade em pagar a dívida contraída”, completa a analista do Dieese.
Sergio Takemoto chama a atenção para o fato de que a parcela de famílias endividadas atingiu um novo recorde em outubro. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) — realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) — o número de brasileiros endividados cresceu pelo 11º mês seguido, chegando a 74,6% das famílias.
O crédito pessoal aparece entre as modalidades que avançaram no endividamento. “A inflação corrente elevada e disseminada tem deteriorado os orçamentos domésticos e diminuído o poder de compra das famílias, em especial aquelas na faixa de menor renda. Os números demonstram os esforços em manter os compromissos financeiros em dia, com renegociação e melhor controle dos gastos”, afirma o presidente da CNC, José Roberto Tadros.
De acordo com dados recentes divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), só no ano passado houve 15,3 milhões de demissões no país. O cadastro também aponta que o saldo de empregos formais criados em 2020 ficou em 75,9 mil, o que representa quase metade das 142,7 mil vagas anunciadas pelo Ministério da Economia para o referido ano.
“Ao invés de criar empregos a partir de políticas públicas estruturantes e sustentáveis, o que este governo faz é endividar ainda mais uma população já massacrada por esta crise econômica sem precedentes em nosso país”, ressalta o presidente da Fenae.