* João Nunes da Silva
Eu quase que não escrevia esse artigo, mas, fui traído pela vontade, até mesmo porque o texto não saia da minha cabeça; na verdade, quisera não ter a necessidade de escrever sobre esse assunto. A realidade e o contexto exigem.
Alguém pode se perguntar: Para que serve o direito? Essa sim é uma boa pergunta, embora para alguns soe como ingenuidade.
Você acha que o direito e a justiça são as mesmas coisas? Tem a ilusão de que todos os julgamentos são isentos de interesses e de vontade? Acha que a verdade prevalece? O que é então a verdade? Não seria melhor perguntar qual verdade? A verdade de quem?
O sistema jurídico tem apresentado alguns avanços, mas, ainda está muito aquém do esperado, pelo menos quando se trata de justiça. Julgar é uma coisa e o resultado do julgamento pode revelar mais injustiça do que se pode pensar.
Não estou querendo aqui afirmar que todo julgamento é injusto, mas sim, que geralmente é marcado por interesses e vontades as quais nem sempre correspondem ao que se espera numa sociedade; digo se espera do ponto de vista jurídico, não de interesses. Vou explicar.
O direito é para todos, verdade? Quisera fosse, pois, na prática, vai depender da correlação de forças que estão em jogo; aí se inclui o papel de quem está julgando e a que grupos pertencem. É assim que a coisa funciona.
Na Idade Média a justiça correspondia a tudo o que interessava ao poder hegemônico da Igreja. Os julgamentos, por sua vez, aconteciam conforme os interesses e valores da época. Assim, aquele que fosse considerado herege já estava condenado ao suplício e a morte. As mulheres consideradas bruxas eram condenadas sumariamente e passavam por todo tipo de humilhação e sofrimento; eram torturadas em praça pública para servirem de lição às outras.
E quem eram as bruxas senão aquelas que praticavam alguma crença considerada pagã. Aquele que não proferisse a religião cristã era tido como herege e, portanto, condenado pela chamada Santa Inquisição. Há relatos diversos sobre os absurdos praticados em conformidade com as leis e com os costumes.
O filosofo Voltaire, em Tratado sobre a tolerância, relata a triste história de um pai e uma mãe que foram condenados inocentemente. Foram considerados culpados pela morte de um jovem, o próprio filho, que na verdade, havia cometido suicídio. Pai e mãe, já idosos, foram julgados e condenados ao suplicio da roda e a morte, mesmo a maioria dos jurados não terem certeza do crime. Todavia, como os condenados praticavam uma religião diferente não foram perdoados.
Só para se ter idéia, quando uma mulher era acusada de bruxaria logo era amarrada e julgada. Uma das formas de julgamento era ser jogada do num poço, ainda amarrada, depois de ter o corpo sacudido varias vezes até perder a total consciência; enquanto isso, os responsáveis pelo julgamento esperavam que após ser jogada na água , caso sobrevivesse, era a comprovação de que era de fato bruxa, e por isso tinha que morrer; caso o corpo se mantivesse na água, teria de fato morrido e, portanto, era inocente. Ou seja: de qualquer forma estava condenada a morte.
A história está marcada por vários absurdos como esses praticados inclusive em nome de Deus, da justiça e da democracia.
Na atualidade a coisa não mudou muito; mudaram-se apenas as formas; hoje já mais sofisticação; até dizer que tudo está na lei, que é constitucional.
Você pode se perguntar: como assim não mudou? Isso mesmo. Hoje os operadores do Direito do mais alto escalão julgam sim apoiados na lei, mas, principalmente, apoiados nos interesses predominantes das elites políticas e econômicas?
Pouquíssimos são os casos nos quais pessoas da mais alta patente são condenadas; e, quando acontece, a punição sempre é branda.
Se é para cumprir a lei, que seja para todos; uma justiça seletiva onde apenas um grupo é considerado culpado, enquanto se sabe que do outro lado tem várias pessoas que praticaram o mesmo crime ou piores não se pode falar de justiça. Quando a justiça atua para blindar aqueles que pertencem a um grupo, um partido ou uma ideologia e passa a condenar apenas quem for do outro lado, temos aí uma questão política e não de justiça.